« (...) Para se traduzir como deve ser, é preciso perceber que a palavra download serve para disfarçar uma operação muito mais prosaica e, como tal, aberta a objecções de todas as espécies: copiar. (...)»
Ainda vou a tempo de sugerir uma maneira de traduzir download?
Contra mim falo: vergonhosamente, sou daqueles que dizem «Fiz um download» ou «Estive a fazer downloads toda a tarde». Mas a minha mãe era inglesa: qual é a sua desculpa?
Gosto de baixar porque as coisas estão lá em cima, na cloud ou no éter, e nós puxamo-las aqui para baixo.
Como se diz a alguém para nos passar um livro que está numa prateleira mais alta? Ou para nos mandar qualquer coisa por elevador para um andar mais baixo?
Se calhar, apetece-nos dizer «Desce-me esse livro» ou «Faz-me subir o jornal».
Ligamos muito às ascendências e descensões. Parece que não ficamos satisfeitos só com dizer «manda-me» ou «passa-me».
É fascinante tentar medir a atracção que a palavra download exerce sobre as outras línguas.Para já, parece-nos uma palavra perfeita, mas o que é perfeita é a facilidade com que a língua inglesa junta advérbios, adjectivos e preposições (down) a verbos e substantivos (load) para criar novas palavras (download). Como downbeat, downsize, downcast, downfall, downstage, downscale...
Daí a preguiça de traduzir para baixar ou para descarregar – que, ainda por cima, é unload.
Para se traduzir como deve ser, é preciso perceber que a palavra download serve para disfarçar uma operação muito mais prosaica e, como tal, aberta a objecções de todas as espécies: copiar.
É que to download é to copy e, como tal, em português ou em qualquer outra língua, fazer um download é fazer uma cópia. Transferir, baixar, apanhar, descarregar e (já ouvi) “downloadar” é simplesmente copiar.
Claro que associamos – estupidamente – as cópias ao ensino primário e os downloads à patine da modernidade e da tecnologia.
E é por isso que «fazer cópias» não vai pegar.
Crónica do autor transcrita do jornal Público em 23/07/2021, escrita segundo a norma ortográfica de 1945