Quem apure o ouvido há-de notar uma moda (ou uma mudança) na boca dos jovens e menos jovens de Portugal. Os "tês" e os "dês" de tudo e totalidade soam, por vezes, muito próximos dos sons correspondentes em inglês.
É bom lembrar que Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 43) descrevem as nossas consoantes dentais (grafadas e ), como "linguodentais" ou "dorsodentais"; as que os referidos falantes articulam soam como as chamadas consoantes "alveolares" ou "ápico-alveolares", chegando alguns a pronunciá-las com um ligeiro "puff of air", quando elas se encontram em posição inicial.
Tudo isto é caso para evocar Catulo e um célebre epigrama que ele escreveu a propósito de Árrio. Esta figura da vida romana de há mais de dois mil anos inventava sons aspirados à maneira dos gregos para emprestar maior sofisticação ao latim que falava. Será que alguns portugueses têm actualmente um problema de "aspiração"? No entanto, é curioso perceber que a anglicização fonética, seja ela de modelo britânico ou de inspiração americana, não é um exclusivo de Portugal. A música "pop" espanhola oferece-nos boas amostras de um estilo roqueiro, em que sobressaem modulações de /r/ e /t/, que não são o que se esperaria da língua de Cervantes.
Esperemos, pois, que estas novas variantes portuguesas dos fonemas /t/ e /d/ não evoluam até ao cúmulo do que acontece frequentemente em Inglaterra, quando a palavra "bottle" é pronunciada aproximadamente como [bo´âl]. É que, nesse momento, a língua usada em Portugal alcançará a subtileza do silêncio para uns quantos, mas deixará de ser ouvida pela maioria dos que falam português por esse mundo fora.