1. Numa frase como «ouço a música que gosto», destoa o esquecimento da preposição de. Com efeito, se se diz «gosto de música», para quê cortar essa preposição nas construções com o pronome que? A forma correta e arrumada é, portanto, «ouço a música de que gosto», como lembra Carla Marques, consultora permanente do Ciberdúvidas, no apontamento que assina na rubrica O nosso idioma, a respeito da necessidade de não esquecer as preposições nas construções relativas, a bem da arrumação gramatical que faz a "casa" da língua.
2. Em Portugal, o novo governo – o XXII Governo Constitucional, que tomou posse em 26/10/2019 – trouxe a novidade de passar a haver um secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Média, cargo ocupado pelo argumentista, empresário, produtor, programador Nuno Artur Silva (na foto). Trata-se de inovação bem recebida por muitos, mas que levanta dúvidas por incluir na sua designação a palavra média. Em referência aos meios de comunicação social, é opção muito discutível, se não errada, tendo em conta que: a) o vocábulo tem origem no latim media, plural do nome neutro medium, transmitido por via do inglês, que o associou a mass para criar mass media («meios de comunicação social»); b) geralmente, os plurais neutros latinos afeiçoam-se aos padrões morfológicos do português, e, portanto, tal como o latim curricula adota a forma currículos, também se esperaria que media fosse "médios" em português; c) contudo, a verdade é que foi media que se impôs, com a pronuncia "média" e legitimada com essa mesma grafia sem acento gráfico no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), publicado em 2001. Neste quadro, o aportuguesamento "média" torna-se uma completa anomalia, não obstante vir registado no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (na 1.ª edição, de 2001, é classificado como regionalismo de Portugal), no dicionário em linha da Porto Editora (na Infopédia) e no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Não sendo corrente, em Portugal, a forma brasileira mídia, nem tendo "médios" chegado alguma vez a enraizar-se na língua, a solução ainda mais consistente parece ser a da ACL, que mantém a grafia media, escrita em itálico ou entre aspas, como costuma fazer-se aos estrangeirismos.
No Brasil, emprega-se mídia, que é forma correta à luz da norma linguística desse país e constitui um aportuguesamento fonético e gráfico de media (conforme a pronúncia inglesa), usado como nome feminino singular, seguindo regularmente a maioria dos nomes terminados em -a. Sobre a história (ainda que curta) e o emprego de media e mídia, consulte-se a seguinte seleção de respostas e artigos: "'Media', média, mídia"; "O uso de media"; "In mídia virtus"; "Novamente mídia, média e media"; "O caprichoso aportuguesamento de (mass) media"; "A formação e o significado do termo mediólogo". Ouvir ainda a explicação da linguista Margarita Correia no programa Língua de Todos, na Antena 2, do dia 24/11/209 , aqui (13´44'' – 18'36'').
3. Diz-se que são parónimas as palavras que têm pronúncia e grafia semelhantes, afinidade que ocasiona frequentes confusões – por exemplo, identidade e entidade. Será este tipo de relação vocabular desculpa para o enorme equívoco que se lia num noticiário televisivo? No Pelourinho, um apontamento de Sara Mourato assinala uma risível ocorrência, a de confundir uma baleia com um caranguejo.
4. Pergunta-se no Consultório: como se pronuncia sport em Sport Lisboa e Benfica? Se à palavra fé se associar o prefixo anti-, é preciso hífen? Como analisar os usos frásicos dos verbos dirigir-se e pugnar? E, quanto à construção «demasiado alto para perder»?
5. Não era costume, mas naturalizou-se. Referimo-nos ao Halloween (ou Dia/Noite das Bruxas), a festa de origens anglo-saxónicas e célticas que se faz na passagem de 31 de outubro para 1 de novembro. Esta última data é igualmente marcada por outra comemoração, de caráter religioso, bem mais antiga nas tradições de língua portuguesa, o Dia de Todos os Santos. Uma séria advertência para os jovens que saem à rua: esqueçam a fórmula inglesa «trick ou treat?», e usem o vernáculo – por exemplo, digam «doçura ou travessura?», à falta de melhor –, que o susto é o mesmo.
Na imagem, "As Bruxas de Almodôvar" (1947), de Severo Portela Júnior (1898-1985). Fonte: MatrizNet.
Sobre ambas as comemorações, leiam-se: "A propósito do Dia das Bruxas, sim ou não?"; "O nosso Halloween " ; "Sabia que o Halloween nasceu na Europa há 2000 anos?"; " Halloween: Uma "jovem" tradição comemorada na noite portuguesa"; " Por que as pessoas celebram Halloween no Brasil? ; "O que não te contaram sobre o Halloween"; " Esta coisa que nem nome português tem!"; "Todos-os-Santos vs. 'Todos os Santos'".
6. Quanto aos programas de rádio produzidos pela Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa para a rádio pública portuguesa, são temas em destaque, na presente semana:
– no programa Língua de Todos, que vai para o ar na RDP África, no dia 1 de novembro, às 13h20, entrevista-se Luís Faro Ramos, presidente do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua;
– no Páginas de Português, programa transmitido pela Antena 2, no dia 3 de novembro, às 13h30, convida-se o embaixador de Portugal na UNESCO, António Sampaio da Nóvoa.para falar da criação do Dia Mundial da Língua Portuguesa vai ser comemorado anualmente a 5 de maio.
* Estes programas são repetidos: o Língua de Todos, no sábado, dia 2 de notubro, depois do noticiário das 09h00, e o Páginas de Português no sábado seguinte, dia 7 de novembro, às 15h30. Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.
7. A cultura e a realidade lexical da lezíria, uma sub-região do Ribatejo, é o tema central do 24.º programa da 10.ª série do magazine televisivo Cuidado com a Língua!
* Emitido no primeiro canal da RTP, na quarta-feira, dia 30 de outubro de 2019, depois da 21h00 (hora oficial de Portugal continental). O programa pode ser visto, posteriormente, via RTP Play.
8. Uma última observação: devido ao feriado de Todos os Santos, a próxima atualização do Ciberdúvidas fica marcada para o dia 4 de novembro.