A língua é a nossa casa, ou a nossa pátria, como dizia o poeta. A casa preserva-se, a pátria também. Há manutenções a fazer, algumas alterações aqui e além, mas as regras estruturantes respeitam-se. São elas que definem a essência da realidade que constitui o que chamamos língua, daquele espaço de afeto, amores e desamores, mas, sempre, de identidade.
Não partimos a nossa casa, não damos pontapés nas portas, nem murros nas paredes. A língua é espaço de respeito, de civilização. É um bem comum que não se pode corromper. Porque é de todos, cada um tem a responsabilidade de cuidar dela. E cuidar é necessariamente “cuidar bem”!
Por essa razão não podemos deixar de ficar assustados quando ouvimos e lemos «A música que mais gostas», «Esta é a casa que gostamos», «O rapaz que gostas…», «Encontra os conteúdos que gostas mais rápido», «Faz aquilo que gostas», «Diz-me o perfume que gostas», blá, blá, blá, que gostas para frente… que gostas para trás.
Mas será que ninguém sabe neste país que, nestes casos, tem de se colocar a preposição de antes do pronome relativo??? Ora, vamos tentar de novo: «A música de que mais gostas», «Esta é a casa de que gostamos», «O rapaz de que gostas…», «Encontra os conteúdos de que gostas mais rápido», «Faz aquilo de que gostas», «Diz-me o perfume de que gostas».
Preservar esta regra gramatical só custa um simples de!
Mas, para que dúvidas não restem, voltemos ao princípio e expliquemos como funciona esta parte da nossa casa. A oração relativa é introduzida por um pronome relativo (que, neste caso), que tem a função de retomar o antecedente da oração e de estabelecer uma conexão entre a oração subordinada e o elemento subordinante. Uma frase que inclui uma oração relativa pressupõe duas orações simples: «O rapaz que ganhou a corrida é simpático» equivale à junção de «O rapaz é simpático» e de «O rapaz ganhou a corrida» Neste caso, o pronome relativo que retoma o antecedente rapaz e representa-o na sua oração: «O rapaz [que [= o rapaz] ganhou a corrida ] é simpático».
Casos há em que a oração que se transforma em relativa inclui um verbo que rege a preposição de. Assim, se a oração «Ele gosta de música» for incluída na oração «A música ganhou um prémio», o constituinte «a música», ao ser convertido em pronome relativo, levará consigo a preposição que o verbo gostar rege. Deste modo, a frase complexa será «A música [de que ele gosta] ganhou um prémio.» Está lá o de porque o verbo gostar o pede.
O mesmo acontece com frases que incluam a combinação entre pronome relativo e verbos que regem outras preposições para além do de: «O rapaz com que conversei é simpático», «O concurso a que concorri já acabou», «A história em que pensei está escrita».
A língua é nossa, a casa está organizada, conhecer o sítio de cada coisa não é tão difícil quanto se possa pensar. Se todos puxarmos o lustro à língua, ela permanecerá brilhante e esplendorosa. Vamos a isso?