1. A recente aproximação entre Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, e Vladimir Putin, presidente russo, colocou a Ucrânia numa difícil situação negocial, no momento em que assinala três anos da guerra com a Rússia. As intermitências de um dos seus mais importantes aliados, resultado da reviravolta da política norte-americana, motiva o uso da expressão «aliado hostil». Trata-se de uma construção antitética, própria do universo poético, mas que, desta feita, descreve uma situação real ao associar uma palavra de orientação positiva a uma de orientação negativa: aliado é um nome que refere «aquele que se liga a outro, para defender a mesma causa ou atacar o mesmo inimigo»; hostil significa «que se opõe a; adversário» (Houaiss). O sintagma ilustra bem a oscilação das posições do líder norte-americano e justifica a estupefação ucraniana perante a instabilidade que singra. Sob outra perspetiva, o facto de os Estados Unidos terem passado a referir-se à guerra como um conflito, tendo deixado de considerar a Rússia como invasor e tendo transferido o epiteto de ditador de Putin para Volodymyr Zelensky, mostra bem como a língua não é neutra e como pode denunciar as perspetivas e intenções de quem a usa. A evolução da situação política conduziu também a que se pusesse em cima da mesa a possibilidade de um acordo entre o Estados Unidos e a Ucrânia, ativando, neste contexto, o uso de «terras raras». O termo pertence à área da química e aplica-se ao conjunto dos elementos que integram determinados solos, marcados por uma presença relativamente alta de determinados minerais, como o titânio ou o urânio, os quais são essenciais para a indústria aeronáutica, espacial e de defesa (cf. Houaiss e Wikipédia). As terras raras são ainda usadas no fabrico de discos rígidos e de ecrãs de telemóveis, por exemplo. A comunicação social tem grafado a expressão ora com hífen ora sem hífen, uma indefinição que se deverá ao reduzido uso desta construção. Relativamente à sua grafia, poderemos referir que, no português do Brasil, se tem adotado dominantemente o uso do hífen, tal como está previsto no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras. Já no português europeu, tem-se verificado, como dissemos, alguma hesitação. Todavia, poderemos esclarecer que alguns dicionários de referência (como Priberam ou o Dicionário da Língua Portuguesa) integram o termo na entrada terra, registando-o sem hífen. Os textos científicos da área também parecem ter preferência por esta grafia. Desta forma, será de deixar a nota de que a variante europeia parece tender para a interpretação de «terras raras» como um sintagma, escrevendo-o portanto com duas palavras isoladas, sem hífen.
2. Na atualização do Consultório, deixamos como proposta de tradução da palavra inglesa transgenderism (derivada do nome transgender) o termo transgenerismo. No âmbito da tradução situa-se igualmente a resposta que apresenta a forma portuguesa equivalente ao termo francês chocolat au lait. Para além deste tema, encontramos ainda respostas relacionadas com questões sintático-semânticas: o modo da oração subordinada completiva de verbos como achar ou acreditar; a classificação de uma oração reduzida de particípio; a natureza sintática de um aposto após um adjetivo. Terminamos com a explicação de termos associados à classificação da origem etimológica da palavras no dicionário.
3. A classificação das palavras quanto à acentuação e ao número de sílabas por vezes acarreta dificuldades, sobretudo quando se verifica a hesitação na interpretação entre a presença de um hiato ou de um ditongo. A professora Carla Marques exemplifica o caso com recurso à análise do nome próprio Sofia, na rubrica divulgada no programa Páginas de Português, na Antena 2.
4. Na sua senda pela discussão em torno do conceito de norma culta, o gramático e professor brasileiro Fernando Pestana analisa um conjunto de usos presentes em jornais brasileiros para evidenciar os desvios e discutir a ideia de que o discurso jornalístico é fonte de norma.
5. Entre os eventos dignos de realce, destacamos:
– Congresso Internacional Português Língua de Ciência e de Oportunidade, organizado pelo Centro de Linguística da Universidade do Porto, no dia 27 de fevereiro, a partir das 11h (evento online);
– Conferência "Alguns desafios globais dos sistemas educativos", dinamizada pelo professor universitário João Costa, diretor da Agência Europeia para as Necessidades Especiais e Educação Inclusiva , com lugar no dia 28 de fevereiro, pelas 15h, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (mais informações);
– O lançamento do livro Diálogos com Lídia Jorge, da autoria de Carlos Reis, no dia 26 de fevereiro, na Livraria Buchholz, às 18h30, no decurso do qual decorrerá uma conversa entre o professor universitário e a escritora portuguesa Lídia Jorge.