Desde o século XIX, sem entrar no mérito da política linguística e de outros critérios distintivos para a definição de língua, há quem defenda a seguinte tese central:
«As diferenças de prosódia, morfossintaxe e léxico entre o português brasileiro (PB) e o português europeu (PE) são tão pronunciadas que, por dificultarem grandemente a inteligibilidade mútua, deixaram de ser variedades da mesma língua e já se tornaram línguas diferentes.»
Ora, se usarmos esse mesmo raciocínio das distinções estruturais e inteligibilidade, então teremos de dizer que a língua portuguesa do século XVI (a do gramático Fernão de Oliveira e a do poeta Luís de Camões, por exemplo) e a do século XX (a do gramático Lindley Cintra e a do poeta Fernando Pessoa, por exemplo) são línguas diferentes, e não variedades da mesma língua?
Sabemos que isso é indefensável, pois desconsidera o contínuo da língua portuguesa, identificável como tal.
Assim, cai por terra o argumento central de que o PB e o PE são línguas diferentes. Afinal, se um linguista do século XXI já considera suficientes as diferenças entre o PB e o PE atuais para justificar a separação em línguas diferentes, ele seria forçado, por coerência, a considerar que a língua de Camões não é a mesma de Pessoa ou que a língua de Oliveira não é a mesma de Cintra, uma vez que também há diferenças flagrantes entre elas.
Se o critério central é a ininteligibilidade mútua por razões estruturais, falha o linguista que defende serem o PB e o PE sistemas linguísticos autônomos ainda mais dramaticamente ao cruzar os séculos do que ao atravessar o Atlântico.
P.S.¹: O texto do século XVI foi extraído do capítulo 38 da gramática do português Fernão de Oliveira. O texto do século XX, escrito pelo português Lindley Cintra, foi extraído do capítulo 2 da gramática que escreveu com Celso Cunha.
P.S.²: Uma coisa interessante é que a suposta "ininteligibilidade" está relacionada não com a leitura, mas com a audição, facilmente superada após um curto período de tempo de exposição ao PE.
P.S.³: Para mais informações sobre este assunto, recomendo este livro de domínio público e os links seguintes:


