Ao longo de quatro décadas e meia, os GNR (Grupo Novo Rock) marcaram o panorama musical português com uma sonoridade única e letras provocadoras. Entre os seus temas mais emblemáticos está a música “Pronúncia do Norte”, lançada originalmente em 1992, que se tornou um verdadeiro símbolo da afirmação cultural do Norte de Portugal. A canção, que junta a banda portuense à voz tradicional de Isabel Silvestre, do Grupo de Cantares de Manhouce (São Pedro do Sul), é uma celebração da diversidade linguística e da riqueza regional, com um toque de humor e orgulho assumido.
Neste ano de 2025, os GNR comemoram 45 anos de carreira, e a Rádio Comercial decidiu prestar-lhes uma homenagem especial, reunindo 29 dos maiores nomes da música portuguesa, entre eles Sérgio Godinho, Mariza, Rui Veloso, Camané, Carminho, Tim, Rita Redshoes, Carlão e António Zambujo, para reinterpretar o clássico “Pronúncia do Norte”, num vídeo que estreou no passado domingo.
O impacto de “Pronúncia do Norte” transcende gerações. É um testemunho da vitalidade do português falado no Norte, em particular na região do Porto e arredores. Este registo informal, popular e assumidamente regional contrasta com a norma-padrão ensinada nas escolas e praticada nos meios de comunicação social, mas não é por isso menos legítimo ou expressivo.
Mas afinal, de que falamos quando nos referimos à pronúncia do Norte?
Entre os traços linguísticos mais característicos da fala nortenha, destacam-se a abertura das vogais átonas, sobretudo o e e o o, que tendem a soar mais abertos do que noutras regiões. Assim, por exemplo, pedrinha pode soar como “pèdrinha” [pɛˈdɾiɲɐ] em vez de "pëdrinha" [pɨˈdɾiɲɐ] e maior como “màior” [majɔɾ].
Outro traço notável é a palatalização de certos sons, como o s e o z, que, em contacto com vogais anteriores, podem adquirir uma sonoridade mais chiada, por exemplo, sinal pode soar como “xinal” e azeite como “ajeite”. A entonação é geralmente mais marcada e cadenciada, com maior variação melódica, conferindo à fala nortenha uma expressividade particular e, muitas vezes, uma musicalidade espontânea, difícil de replicar noutras regiões. Para além disto, salta à vista o uso frequente de interjeições e marcadores discursivos regionais, como carago que há muito foi elevado à categoria de símbolo identitário. Pois que atire a primeira pedra quem, por orgulho ou brincadeira, nunca disse: «É do Norte, carago!»
A «Pronúncia do Norte» é, portanto, muito mais do que uma marca fonética, é uma expressão viva de identidade, memória e pertença. Ao ser celebrada por vozes de todo o país, a canção dos GNR reafirma que o português é feito de muitas vozes, muitas cadências e muitos sotaques. E é nessa pluralidade que reside a verdadeira riqueza da língua. Porque, no fundo, cada pronúncia conta uma história. E a do Norte, carago, continua a ser uma das mais sonoras e orgulhosamente nossas!


