Na frase em questão, ocorrem dois deíticos: o advérbio aqui e a forma verbal passou, no pretérito perfeito do indicativo.
Costuma-se identificar imediatamente os deíticos – palavras «cuja significação referencial só pode ser definida em função da situação, do contexto, do locutor e do recetor de um ato de fala (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa; atualizou-se a ortografia)» – com os pronomes pessoais de 1.ª e 2.ª, os advérbios de lugar (aqui, aí, ali, cá, lá), os advérbios de tempo (agora, ontem, hoje, amanhã) e os determinantes e pronomes demonstrativos (este, esse, aquele, isto, isso, aquilo). Contudo, o conceito de deítico abrange também os tempos verbais organizados em função do momento da enunciação, marcado pelo advérbio agora. Como explica Fernanda Irene Fonseca ("Deixis e Pragmática Linguística" in Introdução à Linguística Geral e Portuguesa, org. I. H. Faria et al., Lisboa, Caminho, 1996, págs. 442/443; atualizou-se a ortografia)1:
«Quanto à componente do contexto que é ativada semanticamente pela utilização dos deíticos, distinguem-se, fundamentalmente, os três tipos clássicos de deixis: pessoal, espacial e temporal. [...] A deixis temporal diz respeito à utilização do momento da enunciação (AGORA) como marco de referência para a localização temporal, O tempo, tal como o concebemos através da linguagem, é de natureza deítica: presente, passado e futuro não são noções absolutas, são relativas ao momento da enunciação. A interpretação semântica de advérbios temporais como hoje, ontem, amanhã, ou de tempos verbais como estou, estive, estarei, pressupõe uma prévia identificação pragmática do momento de enunciação.»
Sendo assim, na frase em questão, os constituintes «por aqui» e «passou» têm função deítica, porque marcam a localização espacial e temporal do estado de coisas representado pela frase, tendo por coordenada o momento da enunciação: no primeiro caso, o significado de aqui coincide com o seu referente, que é o espaço na proximidade do eu da enunciação; no segundo caso, o pretérito perfeito do indicativo passou marca o valor temporal de anterioridade em relação ao momento da enunciação (o "agora" da enunciação), subentendendo-se a seguinte interpretação: «[eu agora digo que] por aqui passou gente famosa». Quanto a «gente famosa», não é esta expressão um deítico, por não marcar nenhum interveniente na situação ou no contexto de comunicação.
1 Agradece-se a Ana Sousa Martins, coordenadora da Ciberescola da Língua Portuguesa, a indicação da referência citada.
N. E. (10/05/2017) – No quadro da aplicação, a partir de 2010, do Acordo Ortográfico de 1990, passou a escrever-se deítico, conforme a realização fonética mais generalizada deste termo dos estudos linguísticos, cuja transcrição fonética corresponde a [dɐˈitiku] (cf. deíctico, díctico no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciêcias de Lisboa; ver também o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). No entanto, continua a aceitar-se a grafia deíctico, dado a pronúncia com [k] – [dɐˈiktiku] – ter também frequência significativa em Portugal, no discurso especializado ; é o que fazem o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) e o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC), que registam ambas as grafias. Observe-se que deíctico – ou, atualizando a grafia, deítico – é a forma adotada pelo Dicionário Terminológico, publicado em 2009 e destinado a apoiar o estudo da gramática nos ensino básico e secundário em Portugal. Contudo, convém assinalar que a palavra tem muitas outras variantes, todas corretas, que decorrem de entendimentos diferentes a respeito da adaptação da forma erudita grega que a motivou, δεικτιkóς (ou, na transliteração latina, deiktikós), que significa «que mostra ou demonstra». Assim, nos estudos de língua, também se usa dêitico (cf. Gramática do Português, Fundação C. Gulbenkian, 2013, p. 862), que tem a variante dêictico (ver também o VOP e o VOC), e dítico ou díctico (assinale-se que o Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa (VOALP) da Academia das Ciências de Lisboa consigna somente as formas dêitico e díctico). Quanto ao termo deixis, que designa a propriedade indicial ou demonstrativa dos deíticos e este fenómeno linguístico em geral, registam-se igualmente variantes: além da forma mencionada (cf. DT), contam-se dêixis e díxis (cf. Dicionário Houaiss, VOP, VOC, VOALP, o vocabulário ortográfico da Porto Editora e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras).