No âmbito do estudo do funcionamento deíctico de um conjunto (alargado) de expressões de uma língua natural está a compreensão da noção de “subjectividade linguística”.
1. Subjectividade linguística ‘vs.’ subjectividade “extralinguística”
Existe referência subjectiva sempre que são referenciados objectos, espaços, factos, pessoas e tempos relativamente ao sujeito falante – que tem existência no discurso ao autodesignar-se por “eu”, apontando para si próprio num acto particular, discreto e único de produção discursiva.
Esta é, digamos, uma definição técnica de “subjectividade” que deve ser distinguida de “subjectividade” em sentido amplo (ou num sentido não linguístico), em que o termo é aplicável a tudo o que seja relativo ao indivíduo, quer em termos cognitivos, emocionais, afectivos, quer em termos sociais ou familiares.
2. Subjectividade e objectividade na língua
Vejamos os exemplos:
a) «Previsão de precipitação para o fim-de-semana da Páscoa.»
b) «Achas que vai chover amanhã?»
O enunciado em a) é um enunciado referencialmente objectivo, na medida em que não há “rasto” do sujeito enunciador: note-se que não há flexão verbal e, linguisticamente, a expressão “fim-de-semana da Páscoa” nada diz a respeito da localização do período de tempo designado face ao momento da emissão/recepção do enunciado.
Pelo contrário, o enunciado b) pode ser parafraseado do seguinte modo:
«Eu estou agora a perguntar-te, a ti que estás aqui à minha frente a ouvir-me: achas tu que vai chover dentro de 24h após este momento, em que eu e tu estamos a falar?
O enunciado b) é um enunciado subjectivo [e intersubjectivo].
3. No exemplo (re)colocado:
«E [finalmente] o que fez Salgueiro Maia na madrugada do 25 de Abril?
– Bem, na madrugada do 25 de Abril, Salgueiro Maia saiu do quartel de Santarém.»
O enunciado sublinhado não tem o sujeito que fala como eixo de referência temporal: «Na madrugada do 25 de Abril (de 74)» é um marco «de calendário», fixável independentemente daquele que fala; Salgueiro Maia corresponde a uma 3.ª pessoa, fora da situação imediata de interacção que tem o “eu-tu” como centro de coordenadas.
O enunciado sublinhado é um enunciado objectivo:
1 – mesmo que os enunciados anteriores, constitutivos do diálogo, tenham referência subjectiva [um discurso não tem de ser homogeneamente subjectivo ou homogeneamente objectivo];
2 – independentemente de o sujeito falante ser familiar do Salgueiro Maia.
N. E. (10/05/2017) – No quadro da aplicação, a partir de 2010, do Acordo Ortográfico de 1990, passou a escrever-se deítico, conforme a realização fonética mais generalizada deste termo dos estudos linguísticos, cuja transcrição fonética corresponde a [dɐˈitiku] (cf. deíctico, díctico no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciêcias de Lisboa; ver também o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). No entanto, continua a aceitar-se a grafia deíctico, dado a pronúncia com [k] – [dɐˈiktiku] – ter também frequência significativa em Portugal, no discurso especializado ; é o que fazem o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) e o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC), que registam ambas as grafias. Observe-se que deíctico – ou, atualizando a grafia, deítico – é a forma adotada pelo Dicionário Terminológico, publicado em 2009 e destinado a apoiar o estudo da gramática nos ensino básico e secundário em Portugal. Contudo, convém assinalar que a palavra tem muitas outras variantes, todas corretas, que decorrem de entendimentos diferentes a respeito da adaptação da forma erudita grega que a motivou, δεικτιkóς (ou, na transliteração latina, deiktikós), que significa «que mostra ou demonstra». Assim, nos estudos de língua, também se usa dêitico (cf. Gramática do Português, Fundação C. Gulbenkian, 2013, p. 862), que tem a variante dêictico (ver também o VOP e o VOC), e dítico ou díctico (assinale-se que o Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa (VOALP) da Academia das Ciências de Lisboa consigna somente as formas dêitico e díctico). Quanto ao termo deixis, que designa a propriedade indicial ou demonstrativa dos deíticos e este fenómeno linguístico em geral, registam-se igualmente variantes: além da forma mencionada (cf. DT), contam-se dêixis e díxis (cf. Dicionário Houaiss, VOP, VOC, VOALP, o vocabulário ortográfico da Porto Editora e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras).