O estilo saramaguiano, bem evidente em Memorial do Convento, assume como marca característica o recurso ao sistema deítico. O narrador, adotando, não raro, um discurso direto livre, recorre aos deíticos, situando-se em momentos temporalmente distintos: o presente da ação relatada, localizando no século XVIII, e o presente da produção escrita (séc. XX). Este narrador situa-se livremente ora num ora noutro tempo, realizando a sua enunciação a partir desses tempos/espaços.
Assim, no caso da frase apresentada, o enunciador, que neste caso se identifica com o narrador, encontra-se no tempo de Blimunda. Por esta razão, é possível assinalar deíticos temporais: amanhã, hoje, flexão verbal em terá e é.
Nesta frase, não estão presentes deíticos pessoais porque a deixis envolve apenas o falante e o seu destinatário (o eu e o tu). A 3.ª pessoa, o ele, não participa diretamente na comunicação. Também não estão presentes na frase deíticos espaciais, pois não existem elementos que procedam à localização de entidades em relação ao contexto em que a enunciação ocorre1.
Relativamente à abordagem didática da deixis, uma opção segura será a de começar por um tratamento teórico do sistema deítico, recorrendo a exemplos das interações verbais quotidianas e à sistematização das palavras / funções sintáticas que tipicamente se associam à deixis, para depois avançar para outros contextos de utilização dos deíticos.
Disponha sempre!
1. Para maior aprofundamento, consulte-se, por exemplo, José Pinto de Lima, Pragmática Linguística. Caminho, 2006, pp.77-94.