DÚVIDAS

Os determinantes demonstrativos e os deícticos pessoais

Participo mais uma vez no V. fórum, colocando uma questão que se prende com deícticos. Num manual escolar de 10.º ano, encontra-se que os determinantes demonstrativos são uma das classes de palavras que podem funcionar como deícticos pessoais, mas, infelizmente, o quadro conceptual não vem acompanhado dos sempre necessários e úteis exemplos. Fui questionado por uma aluna no sentido de arranjar uma frase que o demonstrasse. Nenhuma me ocorreu porque em todas em que usava um determinante demonstrativo me parece que funcionam mais como deícticos espaciais, como, aliás, parece sugerir o Dicionário Terminológico disponível no site da DGIDC. Será que haverá contextos em que aqueles determinantes possam ter aquele valor?

Agradeço a V. atenção.

Resposta

A deixis pessoal integra os deícticos que apontam para os participantes no ato de enunciação.

São deícticos pessoais:

 

— os pronomes pessoais eutu;
— os pronomes possessivos  (1.ª e 2.ª pessoas);
— a flexão verbal (1.ª e 2.ª pessoas);
— os vocativos.

Podem ainda ser integradas na deixis pessoal as formas de tratamento você, o(a) senhor(a), Vossa Excelência, o nome próprio usado numa interpelação1, etc.

A deixis espacial integra os determinantes e pronomes demonstrativos (este, esse, aquele, isto, isso, aquilo), os advérbios de lugar (aqui, ali, acolá, além) e alguns verbos de movimento (ir, vir, chegar, parir, levar, trazer, etc.)

É certo que os deícticos espaciais cobrem um domínio de referência calculado em relação ao eu (pessoa que fala), mas esse é, justamente, um traço definidor do fenómeno da deixis em geral.

(Ver Fonseca, Fernanda Irene 1996 – "Deixis e Pragmática Linguística", in I. H. Faria et al. — Introdução à Linguística Geral e Portuguesa, Lisboa, Caminho: 437-448.

1 Exemplo:

«Zé: — A Ana aceita fazer parte desta equipa?
Ana: — Sim, aceito.»

 

N. E. (10/05/2017) – No quadro da aplicação, a partir de 2010, do Acordo Ortográfico de 1990, passou a escrever-se deítico, conforme a realização fonética mais generalizada deste termo dos estudos linguísticos, cuja transcrição fonética corresponde a [dɐˈitiku] (cf. deíctico, díctico no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciêcias de Lisboa; ver também o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). No entanto, continua a aceitar-se a grafia deíctico, dado a pronúncia com [k] – [dɐˈiktiku] – ter também frequência significativa em Portugal, no discurso especializado ; é o que fazem o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) e o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC), que registam ambas as grafias. Observe-se que deíctico – ou, atualizando a grafia, deítico – é a forma adotada pelo Dicionário Terminológico, publicado em 2009 e destinado a apoiar o estudo da gramática nos ensino básico e secundário em Portugal. Contudo, convém assinalar que a palavra tem muitas outras variantes, todas corretas, que decorrem de entendimentos diferentes a respeito da adaptação da forma erudita grega que a motivou, δεικτιkóς (ou, na transliteração latina, deiktikós), que significa «que mostra ou demonstra». Assim, nos estudos de língua, também se usa dêitico (cf. Gramática do Português, Fundação C. Gulbenkian, 2013, p. 862), que tem a variante dêictico (ver também o VOP e o VOC), e dítico ou díctico (assinale-se que o Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa (VOALP) da Academia das Ciências de Lisboa consigna somente as formas dêitico e díctico). Quanto ao termo deixis, que designa a propriedade indicial ou demonstrativa dos deíticos e este fenómeno linguístico em geral, registam-se igualmente variantes: além da forma mencionada (cf. DT), contam-se dêixis e díxis (cf. Dicionário Houaiss, VOP, VOC, VOALP, o vocabulário ortográfico da Porto EditoraVocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras).

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