1. São deícticos de pessoa todos os pronomes relativos à 1.ª e 2.ª pessoas. Os deícticos são signos que referenciam objectos, espaços e pessoas da situação de enunciação. As formas de 3.ª pessoa referenciam pessoas ou entidades que estão, por definição, ausentes da interlocução e, por isso, têm o estatuto de não-participantes na comunicação. Os pronomes referentes à 3.ª pessoa não são deícticos. Se não é deíctico.
2. Já também não é um deíctico pois não exige que se tome o momento da enunciação (em que o locutor diz «eu» e se dirige a um «tu») como ponto de referência.
Na frase «Não sou já o mesmo homem», o advérbio insiste ou atribui relevo à situação vigente ou “adquirida” num dado momento. Por outras palavras: já acentua o carácter disjunto entre o momento X (em que «eu me identifico com um homem do tipo A») e o momento Y (em que «eu me identifico com um homem do tipo A’»). É claro que, na frase dada, o momento dessa situação vigente, resultante de uma transformação, é o momento da enunciação (o presente da enunciação), mas podia não ser. Veja-se que podíamos ter:
«Não era já o mesmo homem»,
e o valor de já mantinha-se.
3. É conveniente lembrar que a referenciação deíctica não está encerrada numa ou duas categorias morfológicas, mas atravessa várias. O mesmo se passa com as classificações semânticas. Não é por termos um advérbio de tempo ou espaço que passamos a reconhecer aí um deíctico; não é por nos depararmos com um pronome que devemos detectar automaticamente aí um deíctico.
N. E. (10/05/2017) – No quadro da aplicação, a partir de 2010, do Acordo Ortográfico de 1990, passou a escrever-se deítico, conforme a realização fonética mais generalizada deste termo dos estudos linguísticos, cuja transcrição fonética corresponde a [dɐˈitiku] (cf. deíctico, díctico no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciêcias de Lisboa; ver também o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). No entanto, continua a aceitar-se a grafia deíctico, dado a pronúncia com [k] – [dɐˈiktiku] – ter também frequência significativa em Portugal, no discurso especializado ; é o que fazem o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) e o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC), que registam ambas as grafias. Observe-se que deíctico – ou, atualizando a grafia, deítico – é a forma adotada pelo Dicionário Terminológico, publicado em 2009 e destinado a apoiar o estudo da gramática nos ensino básico e secundário em Portugal. Contudo, convém assinalar que a palavra tem muitas outras variantes, todas corretas, que decorrem de entendimentos diferentes a respeito da adaptação da forma erudita grega que a motivou, δεικτιkóς (ou, na transliteração latina, deiktikós), que significa «que mostra ou demonstra». Assim, nos estudos de língua, também se usa dêitico (cf. Gramática do Português, Fundação C. Gulbenkian, 2013, p. 862), que tem a variante dêictico (ver também o VOP e o VOC), e dítico ou díctico (assinale-se que o Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa (VOALP) da Academia das Ciências de Lisboa consigna somente as formas dêitico e díctico). Quanto ao termo deixis, que designa a propriedade indicial ou demonstrativa dos deíticos e este fenómeno linguístico em geral, registam-se igualmente variantes: além da forma mencionada (cf. DT), contam-se dêixis e díxis (cf. Dicionário Houaiss, VOP, VOC, VOALP, o vocabulário ortográfico da Porto Editora e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras).