1. Os deícticos de tempo assinalam marcos de referência temporal que têm o sujeito que fala como eixo central de referência.
1.1. Convém lembrar que os deícticos opõem-se a lexemas de conteúdo semântico-referencial estável porque de cada vez que são usados referenciam objectos e entidades renovados, em função do contexto situacional em que são activados. Não sabemos o que referenciam as palavras eu – tu – aqui – agora – hoje – ontem – anteontem – assim – isto fora da situação de enunciação única e irrepetível em que são activadas. De notar que o mesmo se passa com a referenciação temporal visada nos morfemas da flexão verbal: estudei – estudo – estudarei referenciam um tempo anterior, simultâneo ou posterior relativamente ao momento do eu que fala. Estas questões não se colocam quando tratamos do conteúdo semântico-referencial de unidades linguísticas como sábado, época, pessoa, desajeitadamente (palavras de conteúdo referencial estável e permanente).
2. Muitos deícticos temporais são adverbiais, mas nem todos os adverbiais temporais são deícticos.
2.1. São considerados adverbiais de tempo quer os advérbios de tempo (ontem, cedo), quer os grupos preposicionais (em cinco minutos; de tarde), quer os grupos nominais (esta manhã; certo dia), quer ainda orações temporais («antes de saírem») (ver Mateus et al., 2003 – Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho: 166-167). Os adverbiais podem incorporar, ou não, deícticos, e em função disso terão, ou não, uma função referencial deíctica:
«Na madrugada do 25 de Abril, Salgueiro Maia saiu do quartel de Santarém.» [adverbial de referenciação não deíctica/objectiva]
«Tive um pesadelo nesta madrugada.» [adverbial de referência deíctica/subjectiva]
3. «Às seis horas da tarde» é um adverbial expresso por um grupo preposicional; não é um deíctico porque a sua referência é cronológica e, portanto, objectiva, independente das circunstâncias temporais de quem profere essa determinação de tempo;
– «durante a manhã» é um adverbial expresso por um grupo preposicional que pode ter valor referencial deíctico ou não, dependendo do modo de enunciação (ver A correlação de tempos verbais) que estiver em causa:
«Na madrugada do 25 de Abril, Salgueiro Maia saiu do quartel de Santarém. Durante a manhã, Lisboa vai-se enchendo de sons e cores.» – referência não deíctica/objectiva
«Não me apetece almoçar: estou enjoada e não fiz nada de jeito durante a manhã.» (vale como «durante esta manhã») – referência deíctica/subjectiva
N. E. (10/05/2017) – No quadro da aplicação, a partir de 2010, do Acordo Ortográfico de 1990, passou a escrever-se deítico, conforme a realização fonética mais generalizada deste termo dos estudos linguísticos, cuja transcrição fonética corresponde a [dɐˈitiku] (cf. deíctico, díctico no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciêcias de Lisboa; ver também o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). No entanto, continua a aceitar-se a grafia deíctico, dado a pronúncia com [k] – [dɐˈiktiku] – ter também frequência significativa em Portugal, no discurso especializado ; é o que fazem o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) e o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC), que registam ambas as grafias. Observe-se que deíctico – ou, atualizando a grafia, deítico – é a forma adotada pelo Dicionário Terminológico, publicado em 2009 e destinado a apoiar o estudo da gramática nos ensino básico e secundário em Portugal. Contudo, convém assinalar que a palavra tem muitas outras variantes, todas corretas, que decorrem de entendimentos diferentes a respeito da adaptação da forma erudita grega que a motivou, δεικτιkóς (ou, na transliteração latina, deiktikós), que significa «que mostra ou demonstra». Assim, nos estudos de língua, também se usa dêitico (cf. Gramática do Português, Fundação C. Gulbenkian, 2013, p. 862), que tem a variante dêictico (ver também o VOP e o VOC), e dítico ou díctico (assinale-se que o Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa (VOALP) da Academia das Ciências de Lisboa consigna somente as formas dêitico e díctico). Quanto ao termo deixis, que designa a propriedade indicial ou demonstrativa dos deíticos e este fenómeno linguístico em geral, registam-se igualmente variantes: além da forma mencionada (cf. DT), contam-se dêixis e díxis (cf. Dicionário Houaiss, VOP, VOC, VOALP, o vocabulário ortográfico da Porto Editora e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras).