1. Dando conta da violência dos protestos em França contra o aumento da idade da reforma, a atualidade define também um horizonte político-militar tendente, ao que parece, a uma nova ordem mundial. Neste panorama, a covid-19 perde relevo, mas as notícias referem um estudo de virologistas internacionais, que, após análise de material genético recolhido no mercado chinês de Wuhan, avançam agora a hipótese de, na origem da pandemia, estar um animal muito procurado na China para o comércio das peles – o Nyctereutes procyonoides, nome científico de um mamífero também conhecido, segundo alguns dicionários, como cão-guaxinim, canídeo confundível com outra espécie, os guaxinins (Procyon lotor). É, portanto, a propósito deste tema que o termo guaxinim, provável empréstimo das línguas tupis (tupinismo), constitui a nova entrada da rubrica A covid-19 na língua.
Um tupinismo é uma «palavra, construção ou locução da língua tupi, tomada de empréstimo por outra língua» (Dicionário Houaiss). Os tupinismos são numerosos no português, não só no léxico comum (ex.: capim, jacarandá, mandioca, sabiá), mas muito em especial na abundante toponímia com essa origem dispersa por grande parte do Brasil (ex.: Guanabara, Ipanema, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Tijuca). Acrescente-se que os guaxinins são referidos por outros nomes vulgares, entre eles, racum, adaptação do inglês racoon, por sua vez empréstimo do algonquino raugroughcun ou arocoun (ibidem).
2. O sentido de «não quero que ninguém saiba» é diferente de «quero que ninguém saiba»? A pergunta diz respeito à concordância negativa em português e encontra-se no Consultório, onde, num total de oito respostas, se abordam ainda os seguintes tópicos: o topónimo brasileiro Maranduba; a etimologia de contrabando; as características dum texto expositivo; a sequência «e, além disso,...»; a frase «obrigada sou eu que lhe fico»; os aspetos imperfetivo, habitual e iterativo; e o termo lineatura.
3. «Falsa promessa» é como apelidam Noam Chomsky e Ian Roberts o ChatGPT. Nas Controvérsias divulga-se em português o artigo que os famosos linguistas assinaram com outro investigador, Jeffrey Watumull, no jornal norte-americano New York Times (08/03/2023), tecendo duras críticas aos pressupostos teóricos e técnicos que estão por trás do funcionamento do ChatGPT. Na mesma rubrica, a propósito da expressão «abusos sexuais», transcreve-se com a devida vénia, do jornal Público (23/03/2023), um artigo de opinião da escritora Luísa Semedo, membro do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), a qual defende a substituição do «termo pedofilia para passar a falar de pedocriminalidade e pedocriminosos».
4. A história da língua, que teve lugar proeminente nos estudos linguísticos do século XIX, continua a dar contributos científicos relevantes. É o que prova o extenso e sólido trabalho de Clarinda de Azevedo Maia, agora em grande parte reunido em Estudos Linguísticos, uma publicação da Imprensa da Universidade de Coimbra. Na Montra de Livros, apresentam-se os dois volumes que constituem esta obra.
5. Festeja-se em 27 de março o Dia Mundial do Teatro, sempre marcado com um grande leque de espetáculos, vários deles em estreia (ver aqui). Uma data que é também pretexto para (re)ver os seguintes conteúdos em arquivo: "Teatro", "Teatro português", "A origem da palavra coxia","Aderecista, caracterizador e maquilhador, profissionais da máscara (teatro)", "O significado de estásimo e de párodo (teatro)", "Fosso (de orquestra)", "Os conceitos de hiperonímia e de hiponímia em arte, cinema, teatro, pintura e escultura", "Forrobodó, farrobodó e farrabadó", "A Geringonça, mas a da 'Esopaida' de António José da Silva" , "Diga?".
Na imagem, O Monólogo do Vaqueiro, representado pelo próprio Gil Vicente, na visão do pintor Roque Gameiro (1864-1935).
6. Registe-se ainda o concurso 'Voz – O Poder da Palavra', cujas inscrições decorrem até 31 de março. Trata-se de um concurso nacional de performance, escrita discursiva e oratória destinado a todos os jovens entre os 15 e os 25 anos.
7. Quanto a três dos programas que a rádio pública de Portugal dedica à língua portuguesa:
– Em Língua de Todos, difundido na RDP África, na sexta-feira, 24/03/2023, às 13h20* (repetido no dia seguinte, pouco depois do noticiário das 9h00*), conversa-se com a linguista e professora universitária, Cristina Martins, sobre o ensino do Português como Língua Não Materna.
– Em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 26/03/2023, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 1/04/2023), entrevista-se Pedro Sepúlveda (Universidade Nova de Lisboa), coordenador do colóquio «Eduardo Lourenço, uma vida escrita», a ter lugar na Fundação Calouste Gulbenkian em 28/03/2023, e fala-se com Margarida Calafate sobre a obra mais conhecida de Eduardo Lourenço, O Labirinto da Saudade. O programa inclui um apontamento de Inês Gama, colaboradora do Ciberdúvidas, a respeito da expressão «revés Campo de Ourique».
– Assinale-se, por último, Palavras Cruzadas, programa realizado por Dalila Carvalho, de segunda à sexta-feira, às 09h50 e às 18h50*, na Antena 2. Para um depoimento sobre a experiência de ser poliglota, convida-se o cidadão britânico Rurik Ingram, residente em Portugal e falante de, pelo menos, seis línguas.
* Hora oficial de Portugal continental.