A história dos registos da palavra em dicionários e vocabulários ortográficos parece favorecer a forma forrobodó, mas igualmente se acham entradas para farrobodó e farrabadó, por exemplo, na 10.ª edição do dicionário de Morais.1 É duvidoso que a forma farrobodó, como farrabadó, seja anterior a forrobodó, mas muito mais duvidoso é que qualquer uma destas formas se relacione com Farrobo, como pretendem quantos argumentam com uma história veiculada mais recentemente pelos media portugueses com certos contornos de lenda urbana.
Com efeito, a partir da consulta de uma muito útil cronologia disponibilizada pelo sítio DicionárioeGramática – na qual se arrolam os vários dicionários monolingues publicados desde o séc. XVIII –, é possível concluir que só na 1.ª edição, de 1899, do Novo Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo se acolhe a palavra em questão, escrita forrobodó e identificada como brasileirismo que significa «baile reles». Anos mais tarde, é também forrobodó a entrada que figura na 1.ª edição (1909) do Vocabulário Ortográfico e Ortoépico da Língua Portuguesa, de Gonçalves Viana.
É certo que a atestação é posterior à época em que se diz ter sido criado o vocábulo, com a forma farrabodó, em alusão a Joaquim Pedro Quintela (1801-1869), 1.º conde de Farrobo, conforme a tese aceite num programa da RTP (aos 28 min) e num artigo da revista Visão, depois citados pelo artigo que a Wikipédia em português dedica a essa figura. Contudo, uma pesquisa pelo Corpus do Português mostra que o vocábulo ocorre sempre em fontes literárias e brasileiras de finais do século XIX:
(1) «A noite chegou muito bonita, com um belo luar de lua cheia, que começou ainda com o crepúsculo; e o samba rompeu mais forte e mais cedo que de costume, incitado pela grande animação que havia em casa do Miranda. Foi um forrobodó valente.»(Aluísio Azevedo, O Cortiço, 1890)
(2) « – Minha mulher – disse ele à esposa –, temos grosso forrobodó! Esta gente chama festa sem-cerimônia a uma reunião de altos personagens que se divertem aristocraticamente. Com que vestido te vás [sic] apresentar?»2 (Adolfo Caminha, A Tentação, 1896)
(3) «Depois da mesa engendrou-se um forrobodó e foi dançar pr' aí até o diabo dizer basta! Um pagodão!» (Aluísio Azevedo, O Homem, 1887)
(4) «Convidado pela gentilíssima Lola para comparecer a este forrobodó elegante, não quis perder o magnífico ensejo, que se me oferecia, de iniciar a formosa Fredegonda nos insondáveis mistérios da galanteria fluminense!» (Artur Azevedo, A Capital Federal, 1897)
Estas atestações são, portanto, anteriores ao registo feito em 1899 por Cândido de Figueiredo. Mas é ainda em fontes do Brasil que se acede a atestações mais recuadas, de 1882 e 1883, no artigo que Luís da Câmara Cascudo dedica a este termo no seu Dicionário do Folclore Brasileiro, de 1954 (manteve-se a ortografia do original):
«Divertimento, pagodeiro, festança. [...] Alberto Bessa consigna o vocábulo como brasileiro, com as expressões de baile ordinário, sem etiquêta; e Beaurepaire Rohan, como privativamente do Rio de Janeiro, com as de baile, sarau chinfrim. O têrmo tem curso no Ceará, para designar os bailes da canalha, como escreve Rodrigues de Carvalho, e entre nós, porém, desde muito, e antes mesmo do aparecimento do livro de Rohan, em 1889, como se vê dêstes trechos: "Um arremêdo de folhetim cheirando a forrobodó" (América Ilustrada, n. 25 de 1882). "Ao ator Guilherme, na noite do seu forrobodó" (O Mefistófeles, n. 15 de 1883). O têrmo, portanto, quer originário do Rio de Janeiro quer não, já tem entre nós os seus cajus (Pereira da Costa, VOCABULÁRIO PERNAMBUCANO, 349-350). Usa-se em Natal, na imprensa anterior a 1930, como sinônimo de baile popular, pagode, samba movimentado, entre o povo. [...]»
É significativo que as primeiras atestações da palavra assumam, portanto, a forma forrobodó, e não farrobodó, nem farrabodó. Além disso, importa assinalar que o vocábulo também era conhecido na Galiza com forma igual à portuguesa, forrobodó. A atestação deste uso galego motivou, aliás, a publicação de um trabalho que, mais tarde, o filólogo de origem alemã Joseph-Maria Piel comentou e criticou, propondo em alternativa a hipótese de forrobodó ter origem no galego forbodó, adaptação do francês faux-bourdon, que deu em português fabordão.
Tudo isto deixa supor, portanto, que as origens da palavra não estão na vida festiva do 1.º conde de Farrobo. É possível que o uso de forrobodó tenha tido uso incrementado a ponto de os falantes portugueses alterarem as primeiras sílabas, querendo evocar não só o nome Farrobo mas também o vocábulo farra, que seria com certeza recorrente nos comentários a tanto divertimento do conde. Mas não há maneira de comprovar tal hipótese. Também se dirá que pouco ou nada de seguro se sabe a respeito da forma que Cândido de Figueiredo recolheu e Piel procurou explicar etimologicamente. Mesmo assim, a tese de o vocábulo se ter tornado popular no Brasil sob a forma forrobodó, talvez a partir de um uso já antigo, revela-se mais fundamentada do que a ideia de uma relação direta com o nome próprio Farrobo.
Em suma, muito do que se diz acerca da palavra forrobodó é incerto, mas a proposta de a filiar em Farrobo e no seu contexto menos segura é ainda. Nada disto interdita as variantes farrobodó e farrabadó, que estão corretas. No entanto, tendo em conta a história dos registos dicionarísticos disponíveis, dê-se primazia a forrobodó por ser esta a primeira forma atestada.
1 Atualização às 17h45 de 24/09/2018 – Vem a propósito mencionar o conhecido termo forró, «baile popular, em que se dança aos pares com música de origem nordestina; arrasta-pé» ou, mais genericamente, «festejo ruidoso; badalação, movimento», conforme a definição do Dicionário Houaiss, que, quanto à origem da palavra, a descreve como «redução de forrobodó». Esta perspetiva afasta-se da explicação histórica mais difundida, como observa Deonísio da Silva (A Vida Íntima das Palavras, São Paulo, Arx, 2002, s. v. forró): «de origem controversa. Até há poucos anos era tido como decorrente de festa for all (para todos) que os americanos organizavam em Recife, durante Segunda Guerra Mundial, e de que participavam todos, sem necessidade de convite. Bailes semelhantes, patrocinados por engenheiros ingleses durante a construção de nossas ferrovias, também estariam na origem do vocábulo. Mas a escritora Edinha Diniz levanta outra hipótese em Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. O vocábulo corruptela de forrobodó, designaria uma forma de teatro popular documentada em 1912 pelo jornal Correio da Manhã. A hipótese de que tenha origem em festa de negros forros, designando isento de dívidas ou escravo liberto, é de difícil sustentação. Há indícios de que a festa e o vocábulo tenham origem na África, muito antes do tráfico de escravos. De todo modo, forro no sentido de livre vem do árabe hurr.» Leia-se o que se diz mais adiante na resposta acerca da documentação do uso de forrobodó na Galiza.
2 A ocorrência da forma "vás" deve ser um erro, por vais, a não ser que se pretenda reproduzir alguma característica dialetal.