1. O ano de 2021, que dá início à segunda década do século XXI, começa com uma tónica de esperança na luta contra a covid-19. A este espírito renovado, a equipa do Ciberdúvidas junta os votos de um ano saudável, pleno de sucessos e de bom português. As grandes mudanças que este ano promete ficam a dever-se ao trabalho de investigação desenvolvido pelos cientistas, que, em tempo recorde, criaram vacinas, que começam a chegar aos vários países do mundo, onde se dá início à inoculação das populações. Embora a vacinação tenha trazido um novo alento, não deixa de arrastar consigo preocupações relativas à sua eficácia, à duração da sua proteção ou aos seus efeitos secundários, mas, no fundo, todos anseiam pela recuperação do «antigo normal». Com o ano novo, chegam também 22 novas entradas em A covid-19 na língua. São elas: Alexánder Guíntsburg, António Sarmento, ARNm, B.1.1.7, BioRxiiv, Boris Johnson, Celeste Heleno, Covid longa, Cultura, 27 de dezembro, Direção-Geral da Saúde, FDA, Gripezinha, INSA, Jacinta Arden, Katalin Karikó, Kit de teste rápido, Laxismo, Lockdown, MedRxiv, Suécia e Ursula von der Leyen.
A utilização constante das palavras vacina e vacinação no discurso mediático volta a colocar a questão da sua pronúncia correta: com “a fechado” ou com “a aberto”. Como já se esclareceu aqui, ambas as pronúncias são aceitáveis, estando relacionadas com a variação diatópica. Já quanto à pronúncia de -ui- em palavra como fluido ou gratuito, recorde-se que deve ser feita como um ditongo, não colocando acento no “i”, pelo que é incorreto dizer-se “*fluído” ou “*gratuito”. Neste contexto, recorde-se ainda que "*precaridade" é erro. Deve dizer-se precariedade, como aqui se explicou.
2. As palavras e as reflexões que estas propiciam assinalam o início do ano 2021:
– As palavras vacina e esperança marcam o início do novo ano nos apontamentos da professora Carla Marques no programa Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, uma crónica onde se reflete sobre o significado destas palavra, a que se juntam igualmente os votos de um ano de mudanças positivas.
– O mau uso do verbo enganar, em lugar da forma pronominal enganar-se, numa entrevista ao Presidente da República português Marcelo Rebelo de Sousa motiva uma reflexão do cofundador do Ciberdúvidas José Mário Costa na rubrica Pelourinho.
– Os últimos dias do ano 2020 trouxeram a notícia de que em Portugal, na Herdade da Torre Bela, se tinha organizado uma montaria de que resultou a morte de 540 animais. Esta acontecimento abriu caminho a uma reflexão sobre a terrível realidade que se pode esconder sob as palavras caça, montaria e matança, da responsabilidade da professora Carla Marques.
– De palavras novas e de outras recuperadas do quase esquecimento ou de universos de significação muito restritos se fez também o ano de 2020, o que em muito se ficou a dever à ação avassaladora e omnipresente da pandemia, que acabou por trazer uma importância diferente a determinados termos ou expressões. Os portugueses acusaram este facto ao terem escolhido como palavra do ano 2020 (uma iniciativa da Porto Editora) saudade, ficando em segundo e terceiro lugares as palavras covid-19 e pandemia. Também em Espanha, a pandemia e seus efeitos mostraram a sua força no facto de a Fundéu RAE ter selecionado “confinamiento” como palavra do ano. Por sua vez, no Reino Unido, a Oxford Languages assinalou as palavras mais usadas em inglês, elencadas num artigo que pode ser consultado aqui. E, nos Estados Unidos da América, a American Dialect Society, entidade sobretudo dedicada ao estudo do inglês norte-americano, declarou Covid como a palavra de 2020 após a votação que promove anualmente.
– Também a professora Sandra Duarte Tavares dedicou uma crónica às palavras e ao seu valor, desde as palavras glamorosas às sombrias, passando pelas ilusórias, entre tantas outras (crónica transcrita, com a devida vénia, da edição digital da revista Visão e aqui disponibilizada).
3. Neste início de ano, Portugal assume a presidência do Conselho da União Europeia, sucedendo à Alemanha. A quarta presidência portuguesa adota como lema para este semestre «Tempo de agir: por uma recuperação justa, verde e digital», marcando os desafios que serão colocados pela crise sanitária que se vive, as suas consequências económico-sociais e a importância da defesa dos direitos sociais, do meio ambiente e da evolução digital. Este será um semestre que se espera de mudança também pelo facto de nos Estados Unidos tomar posse uma nova administração com Joe Biden à frente dos destinos dos norte-americanos, o que poderá marcar também o início de novas relações com a Europa. Destaque ainda para a importância da ação europeia e do ser-se europeu, temas tratados no artigo da professora e linguista Margarita Correia, que reflete sobre a importância e a mais-valia de ser europeu (divulgado no Diário de Notícias e aqui transcrito com a devida vénia).
4. Com o regresso do Consultório, trazemos seis novas respostas a dúvidas que os consulentes nos vão colocando. Uma delas relaciona-se com o sentido do termo chapitô, usado como substantivo comum no título «O primeiro ano dos artistas fora do chapitô». Também uma dúvida relacionada com a possibilidade de usar hífen nos compostos «bebé menino» ou «bebé menina». As funções sintáticas desempenhadas por constituintes na frase continuam a marcar uma área de incertezas, como fica claro na questão sobre a função de «um para outro» no verso da poetisa brasileira Adélia Prado: «Amor feinho não olha um pro outro». E ainda o grau do adjetivo em «as mais sofisticadas redes políticas do mundo», a existência da palavra desirmanação e o significado das formas ressolho / rossolho, usadas em Aveiro.
5. Na rubrica Montra de Livros, apresentamos a reedição da obra de João Ribeiro intitulada Frases Feitas, que reúne mais de 800 expressões do português, compiladas pelo autor até 1908.
6. O professor universitário e tradutor português Frederico Lourenço, em entrevista ao jornal Diário de Notícias, fez um balanço do ensino através dos meios digitais, referindo-se em concreto às suas aulas de latim e grego na Universidade de Coimbra. Aborda ainda as obras que publicou recentemente, refletindo sobre os seus objetivos e impacto social.
7. A presença negra na história e na sociedade argentina continua a estar associada a uma visão racista que leva os argentinos a considerar que a sua população originária é branca. Esta mentalidade está, contudo, a sofrer um processo de mudança, como conta a jornalista Monica Yanakiew no artigo intitulado «Los negros», originalmente publicado na revista Piauí do jornal brasileiro Folha de S. Paulo (aqui transcrito com a devida vénia).
8. Uma das consequências da pandemia passou pela implementação de métodos de ensino associados às tecnologias. Uma evidência que veio alertar as entidades responsáveis para a necessidade refletir sobre o desenvolvimento de políticas educativas que contemplem de forma eficaz as tecnologias, como alerta o investigador João Marcelo Borges no artigo «Lições sobre o uso de recursos tecnológicos na educação» (publicado no jornal digital brasileiro Nexo e aqui transcrito com a devida vénia).
9. No primeiro dia do ano faleceu o fadista português Carlos do Carmo (1939–2021), um cultor da língua portuguesa e dos seus poetas. Ficará na memória pela inovação que trouxe ao fado e pelas letras do poeta português Ary dos Santos, que imortalizou com a sua voz ímpar. Como forma de homenagear o cantor, a Câmara Municipal de Lisboa anunciou que a canção «Lisboa, menina e moça», imortalizada por Carlos do Carmo (com letra de Ary dos Santos e Fernando Tordo e música de Paulo de Carvalho) passará a ser a canção oficial de Lisboa.
10. Neste princípio de 2021, também faleceu o escultor português João Cutileiro (1937–5 de janeiro de 2021). Considerado um dos mais importantes escultores portugueses, deixa obras marcantes como a escultura de D. Sebastião (em Lagos) e o Monumento ao 25 de Abril, no Parque Eduardo VII, em Lisboa.
11. Registo também para o falecimento do filólogo espanhol Gregorio Salvador (1927–dezembro de 2020), uma referência mundial na área da lexicologia, que foi também vice-diretor da Real Academia Espanhola (RAE), entre 2000 e 2007.
12. A linguista angolana Amélia Mingas (1940–agosto de 2019) foi agora homenageada no seu país natal com a publicação da obra Amélia Mingas: A mulher, a cidadã, a académica (edição Mayamba Editora). Trata-se de uma coautoria do sociólogo Paulo de Carvalho e do marido da falecida Luís ("Jota") Carmelino.