O nome caça encontra-se registado em texto já no século XIII, num texto das Cantigas de Santa Maria, de Afonso X, constituindo uma derivação não-afixal do verbo caçar1. Desta informação etimológica, retira-se a conclusão óbvia de que a caça é uma atividade que tinha já lugar nas sociedades medievais. O que se fazia na altura não difere do que se faz atualmente: perseguia-se um animal com o objetivo de o matar. Antes como agora. Tudo isto como atividade de lazer. Sim, porque neste caso particular matar inclui o significado de fruição. Noutro qualquer contexto que não este, matar por prazer será considerado um tipo de psicopatia que exige intervenção médica ou até internamento.
Distinga-se também a caça de animais de pequeno porte da de caça grossa. Esta última envolve animais de grande porte e é praticada tradicionalmente por pessoa com “posses”, como, noutros tempos, o era por membros da fidalguia ou da realeza. A esta atividade atribui-se a designação de montaria, que pode também referir o local onde se pratica a caça, uma palavra que se terá formado a partir da junção de monte ao sufixo -aria, lá pelo século XV.
Ora, em pleno século XXI, em Portugal, na Herdade da Torre Bela, na Azambuja, organizou-se uma montaria, onde a assim designada caça turística permitiu que se matassem 540 animais de grande porte. Sejamos, pois, rigorosos com as palavras: não se tratou de uma caçada, mas de uma matança (palavra formada da junção do sufixo -ança ao verbo matar e de que também há registos desde o século XV), que é o mesmo que dizer uma chacina, uma carnificina de 540 animais que não tinham por onde fugir, como se ali estivessem para ser mortos por alguém que pagou para ter direito a matar todos os animais que conseguisse só por puro prazer. Qual a diferença entre esta realidade e um massacre, ou seja, um “grande número de morte violentas”? As mortes foram inúmeras e o crime inquestionável. Só o livre-arbítrio dos homens é questionável bem como a justificação para a sua morte que passa por encontrar lugar para uns painéis fotovoltaicos cujo espaço os animais estariam a ocupar. Uma justificação moderna para uma atividade medieval, como o parece comprovar também a origem das palavras que envolve.
1. Também designada derivação regressiva.