1. Em Portugal a escalada da pandemia, a angústia e o pânico motivam «falsas urgências», afetando o funcionamento dos hospitais (cf. «pressão hospitalar» e «oxigénio, falta de») e chegando a considerar-se a transferência de pacientes para o estrangeiro (cf. «hospitalização internacional»). O impacto revela-se, portanto, dramático: enquanto surge o chamado «apoio extraordinário» para trabalhadores em perda de rendimentos, aumenta o mal-estar nas relações pessoais (cf. «violência doméstica). A situação já é, portanto, dantesca, de tal modo que o recém-reeleito presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em discurso ao país em 28 de janeiro p.p, anunciou novo estado de emergência – o «Estado de Emergência X» –, preparando a população para «um confinamento mais longo do que se esperava». Tal é o triste cenário da presente atualização de A covid-19 na língua, que, além das expressões atrás assinaladas, inclui dois termos referentes à esperança de uma luz neste túnel por agora sem fim: «taxa de vacinação», que começa a ser recorrente nas notícias sobre a vacinação em vários países (Israel destaca-se); e um antiviral que vem de Espanha, denominado plitidepsina, que parece reduzir 99% da carga viral do SARS-CoV-2 nos pulmões.
2. Mas a vida continua, e, com ela, as palavras que devolvem o discurso às exigências e às constantes avaliações do quotidiano, como «pôr em dia» e «faz todo o sentido». Juntam-se a estas outras expressões no Consultório: o diminutivo de jornalista; e «caminho das pedras», que não se aplica a agruras, mas, sim a facilidades. Completam o conjunto de novas perguntas as que andam à volta da gramática e das suas dificuldades: o imperativo do verbo fazer; a noção de clítico; e, num sonho hoje impossível de «viajar, perder países», analisa-se a frase «viajou de carro pela América do Norte».
3. Num jornal português, a propósito de um relógio do apocalipse marcar apenas 100 segundos para a meia-noite, lia-se que tal «simboliza a eminência de um cataclismo planetário». No Pelourinho, a professora Carla Marques observa, em relação à notícia, que a "catástrofe" mais certa e concreta é a da confusão de iminente («prestes a acontecer») com eminente («elevado, importante»).
4. Muitos falantes de português emigraram e hoje veem dificultada a transmissão da língua aos seus descendentes nos países de acolhimento. Esta situação tem sido abordada numa área de investigação conhecida como Português Língua de Herança (POLH). Em Montra de Livros, apresenta-se O POLH na Europa – Português como Língua de Herança, uma obra em dois volumes (o segundo foi recentemente publicado, em 2020), em que se reúne um conjunto de estudos com novos contributos para um diagnóstico e para programas de ação junto de tais comunidades.
5. A esmagadora força das contingências obriga ao confinamento, mas a leitura permite a crianças, jovens e adultos criarem ou recuperarem espaços de partilha. A que é feita em voz alta, atenta ao sentido das palavras e ao ritmo das frases, é o tema de um apontamento do pedagogo brasileiro William Cruz publicado na página Língua e Tradição (Facebook, 22/01/2021) e agora também divulgado na rubrica Ensino.
6. Acerca de quem, por exemplo, cante muito mal, emprega-se em inglês o termo cringe, que pode significar «encolher-se por causa de algum embaraço ou desconforto». Na Itália, terra do bel-canto, a palavra inglesa naturalizou-se como cringiare, adotada sem rebuço pelos falantes da língua de Dante e Petrarca, menos preocupados com heranças literárias. O caso é aproveitado pelo escritor Miguel Esteves Cardoso para, em crónica saída no jornal Público (28/01/2021) e transcrita, com a devida vénia, em O Nosso Idioma, se aventurar jocosamente num passeio pela neologia em português.
7. Apesar dos sucessivos estados de emergência, com efeitos devastadores no mundo da cultura, multiplicam-se as iniciativas por canal digital. Salientam-se:
– para vencer estereótipos, o lançamento do livro Histórias e Memórias de Mulheres de Cabo Verde em Portugal;
– para desvendar o mundo pela poesia, o projeto Culto, nas redes sociais;
– ou, para o descobrir pela narrativa, a publicação de Os Tempos das Palavras com Tempo, uma coletânea de contos em linha.
8. Evoquem-se algumas efemérides de alguma forma abordadas nas diferentes rubricas do Ciberdúvidas:
– 29 de janeiro – Assinalam-se os105 anos do nascimento, em Ponta Delgada, do jornalista, escritor, ficcionista, biógrafo e historiador açoriano Manuel Ferreira, (cf. "A grafia de açoriano").
– 30 de janeiro – Em 1961, o capitão português Henrique Galvão, que desviara o paquete Santa Maria no dia 22, entregava-se às autoridades brasileiras(cf. "Raptar, sequestrar"). Em 1996, morre, com 81 anos, Jerry Siegel, autor de Superman, herói da banda desenhada (cf. "O processo de formação de super-herói"). Em 2011, o líder histórico islâmico tunisino Rachid Gannuchi regressa a Tunes, depois de duas décadas no exílio, sendo recebido por alguns milhares de pessoas (cf. "Rua-árabe"); e onze pessoas morrem na colisão entre um comboio regional e outro de mercadorias perto de Oschersleben, Alemanha (cf. A grafia de topónimos estrangeiros"); e morre aos 77 anos o compositor John Barry, cinco vezes vencedor de um Óscar, que escreveu músicas para uma dúzia de filmes de James Bond, entre eles Só se vive duas vezes e 007 contra Goldfinger" (cf. "Oito 'Óscars' e oito óscares"). Faz um ano que a Organização Mundial de Saúde declarou o estado emergência de saúde pública internacional por causa do surto do novo coranavírus na China, enquanto a Itália confirmava os dois primeiros casos de infeção por coronavírus no país (cf. O léxico da covid-19).
– 31 de janeiro – Comemoram-se o Dia Mundial dos Leprosos (cf. "Gafanha") e o Dia Mundial do Mágico (cf. "O superlativo absoluto sintético de mágico). Faz 130 anos que se deu a revolta republicana do Porto. (cf. "Vivà República"). Há um ano, a Espanha anuncia o primeiro caso do novo coronavírus no país, um cidadão alemão de um grupo de cinco que estava em observação em La Gomera, nas Canárias (cf. "O natural das Canárias").
9. Temas principais, na presente semana, dos programas produzidos pela Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa na rádio pública portuguesa:
– A palavra rubrica e o anglicismo podcast, amplamente usado na comunicação social portuguesa, são comentados pela professora Sandra Duarte Tavares no programa Língua de Todos, emitido pela RDP África, na sexta-feira, 29 de janeiro, pelas 13h20* (repetido no dia seguinte, depois do noticiário das 09h00*).
– Os vocábulos cidadania, dever e direito, palavras relacionadas quer com a recente eleição do presidente da República Portuguesa (em 24/01/2021), quer com a abstenção que a caracterizou, dão o mote a uma crónica da professora Carla Marques, no Páginas de Português, transmitido na Antena 2, no domingo, 31 de janeiro, pelas 12h30** (com repetição no sábado seguinte, 6 de fevereiro, às 15h30**).
* Hora oficial de Portugal continental, ficando depois os programas A Língua de Todos e Páginas de Português disponíveis aqui e aqui, respetivamente.