DÚVIDAS

ARTIGOS

O nosso idioma // Anglicismos

Um passeio pelo crinjódromo

Um exercício de neologia com alguns anglicismos

« (...) Em português escreveríamos crinjar e diríamos “crinjo” ou “crinjei” em vez do substantivo “crinje”, embora se admita dizer-se “foi um crinje” ou mesmo “foi uma crinje pegada”. (...)» 

 

A admirabilíssima Accademia della Crusca que desde 1582 vela pela saúde da língua italiana acaba de reconhecer a palavra inglesa cringe como digna de figurar nos dicionários da língua de Tasso. Um dos melhores está aqui, à mão de semear.

Os lexicógrafos da Crusca observaram que cringe era usado pelos jovens italianos (os portugueses também não dispensam, incluindo os entradotes) e, não tendo encontrado um vocábulo latino à altura, dispuseram-se a italianizar o cringe, aceitando o verbo cringiare e até o superlativo cringíssimo.

cringe é um reflexo debilitante de embaraço que corresponde ao nosso «não sabia onde havia de me meter» ou «fiquei para morrer, do tamanhinho de um alfinete», caso este último existisse. É ficarmos envergonhados por outra pessoa como, por exemplo, quando um familiar nosso tira macacos do nariz no meio de um seminário.

Em português escreveríamos crinjar e diríamos “crinjo” ou “crinjei” em vez do substantivo “crinje”, embora se admita dizer-se “foi um crinje” ou mesmo “foi uma crinje pegada”. Chega-se assim a uma variante negativa da palavra fixe: se Soares era fixe era porque não era crinje.

Também seria boa altura de importar a palavra binge. A acepção clássica é de uma bebedeira que dura vários dias, embora eu prefira bender, até porque se presta mais ao aportuguesamento: uma “benda”, à maneira de uma prebenda.

O significado actual é ver séries inteiras e daí "binjar".

Gosto de twinge, que não é bem uma pontada. Dá jeito para as consultas de reumatologia, quando já esgotámos o vocabulário das dores. Já aqui prefiro “tuinga”.

Também gosto de harbinger mas não nos faz falta nenhuma. O mesmo sucede com minge, apesar de ser infra dig e de nos poder oferecer a palavra “minjar”.

Fonte

Crónica de Miguel Esteves Cardoso publicada no jornal Público em 28 de janeiro de 2021. O autor segue a norma ortográfica de 1945.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa