Não é impossível nem incorreto «se algum doente a tocasse», mas, como «tocar alguém» pode ser sinónimo de comover («o discurso tocou-a profundamente»), a construção com lhe é mais clara quanto a denotar a ação de «aproximar ou pôr a mão (ou outra parte do corpo) em contacto com o corpo de outra pessoa».
O verbo tocar tem uso corrente como transitivo indireto: «tocar em alguém/alguma coisa», com pronominalização marcada por lhe – «tocar-lhe». Contudo, também se regista em dicionários1 e textos literários – e, portanto, legitima-se – como transitivo direto («tocar alguém/alguma coisa»). Exemplo:
(1) «Ela lançava-se contra o peito do irmão, chorava, chorava, os seus soluços ansiosos repercutiam no peito dele, que estava vencido, sem hostilidade, sem coragem mesmo para lhe tocar os cabelos [...].» (Agustina Bessa Luís, Os Incuráveis, Corpus do Português2).
Mesmo assim, o verbo tocar, que é polissémico, pode revelar pequenas diferenças semânticas entre os dois usos, as quais nem sempre se prestam a sistematização. Por exemplo, o Dicionário Gramatical dos Verbos Portugueses (Texto Editora, 2007, coordenado por Malaca Casteleiro) apresenta o uso transitivo indireto em aceções que sugerem um contacto físico deliberado, como atividade eventualmente sexual:
(2) A mãe não o deixava tocar nas gavetas dela. («mexer, remexer»)
(3) A avó não admitia que a professora tocasse nos netos. («bater, agredir»)
(4) O arguido confessou ter tocado no rapaz. («apalpar, ter contacto sexual»)
Nos exemplos, afigura-se, portanto, estranho e mesmo incorreto o uso transitivo direto: ?«tocar as gavetas», ??«tocar os netos», ???«tocar o rapaz».
1 Cf. Dicionário Houaiss s. v. tocar.
2 Note-se que nesta abonação o lhe só tem valor possessivo e «os cabelos» é complemento direto.