1. O número de infetados com covid-19 dispara de tal maneira que, em Espanha, o governo central decretou estado de alarme na própria capital, Madrid. O agravamento da pandemia satura, portanto, a agenda mediática, fazendo circular torrentes de novos termos e expressões, uns a marcar apreensão e angústia, outros a alimentar a esperança de uma cura e do regresso à verdadeira normalidade. Refletindo, pois, este contraste, o glossário "A covid-19 na língua" (in O nosso idioma) acolhe seis novas entradas: #aovivooumorto, IoT, intubação orotraqueal (IOT), onda, «O que aí vem» e politicagem.
Ainda quanto ao impacto da covid-19 na vida pessoal e coletiva: Ensino à distância impôs aos pais mais tempo para apoio aos filhos
2. Comemora-se em 10 de outubro o Dia Mundial da Saúde Mental, assinalado este ano com acrescida pertinência, dado o aumento de patologias psíquicas potenciadas pela crise pandémica nos contextos privado e profissional. O tema ativa e enriquece o respetivo campo lexical, tornando mais frequentes vocábulos ou perífrases como «pessoa com doença mental» ou «pessoa com deficiência mental», como se lê, por exemplo, num artigo da página Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. É assunto que pede rigor terminológico e sensibilidade na comunicação, equilíbrio que, noutras línguas irmãs do português, é bem ilustrado pela intervenção da Fundación para el Español Urgente (Fundéu), na sua recomendação, entre outras indicações, do uso da perífrase «persona con problemas de salud mental», ou seja, «pessoa com problemas de saúde mental».
Sobre este tema, vide: Saúde mental + Mental coach: que equivalentes em português? + Palavras que matam e palavras que salvam + Autismo e autista + Sobre a palavra esquizofrénico + A diferença entre personalidade e carácter + Sobre o vocábulo depressão. E, ainda: OMS divulga guia com cuidados para saúde mental durante pandemia
3. Por vezes, considera-se apressadamente que os regionalismos são formas incorretas do português e, portanto, o melhor é condená-las ao esquecimento. É uma visão empobrecedora da língua, rebatida à saciedade pelo livro Palabras co Bento no Leba, que o estudioso de temas regionais Domingos Freire Cardoso dedica à fala popular de Ílhavo (Aveiro) e que a linguista Carla Marques apresenta na rubrica Montra de Livros.
4. Uma velha comédia portuguesa, o Pai Tirano, filme realizado em 1941 por António Lopes Ribeiro, surpreende um consulente brasileiro, porque aí se ouve dizer cê em lugar de você. Será que esta redução se encontra comummente em Portugal, como no Brasil? A resposta é dada no Consultório, onde estão em linha outras quatro perguntas: porque se escreve pan-ótico com hífen? Malgrado é preposição ou conjunção? Em que regiões se emprega a expressão «fazer festas»? Na frase «ele vai comer ao restaurante», o verbo ir é mesmo auxiliar?
5. Em O nosso idioma, transcreve-se, com a devida vénia, o artigo que o professor universitário e tradutor Marco Neves publicou em 4 de outubro de 2020 no blogue Certas Palavras e no Sapo 24, à volta da origem do advérbio e quantificador bué, que se enraizou no português coloquial de Portugal.
Sobre este angolanismo, lembramos os esclarecimentos A etimologia de bué, novamente + Do angolanismo bué aos crioulos asiáticos de base lexical portuguesa + Bué de…
6. Das notícias sobre escrita literária, ensaística e científica em português, dois registos:
♦ A atribuição ex-aequo do prémio Prémio de Ensaio Jacinto do Prado Coelho ao linguista Fernando Venâncio, pelo livro Assim Nasceu Uma Língua (ver Montra de Livros), e ao poeta Nuno Júdice, pela obra Camões por cantos nunca dantes navegados.
♦ E o anúncio da apresentação, em 14 de outubro p.f., de O Cânone, volume coordenado por Miguel Tamen, António Feijó e João Figueiredo (professores da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) e apoiado pela Fundação Cupertino de Miranda, que, em associação ao referido livro, inaugura dias depois, em 18 de outubro, uma “torre literária”, espaço que ficará instalado na sede da instituição, em Famalicão.
8. Nos dois programas produzidos pela Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa para a rádio pública portuguesa, são temas centrais:
♦ Uma conversa com a linguista são-tomense Abigail Tiny Cosme, à volta do português de São Tomé e Príncipe – no programa Língua de Todos, emitido pela RDP África, na sexta-feira, dia 9 de outubro, pelas 13h20* (com repetição no sábado, 10 de outubro, depois do noticiário das 09h00*).
♦ O novo livro da linguista portuguesa Sandra Duarte Tavares, Fala sem Erros, e um apontamento da professora brasileira Edleise Mendes, sobre a relação língua-identidade – no programa Páginas de Português, transmitido na Antena 2, no domingo, dia 11 de outubro, pelas 12h30* (repetido no sábado, 17 de outubro, às 15h30*).
* Hora oficial de Portugal continental, ficando os programas disponível posteriormente aqui. e aqui.
9. Último registo: a atribuição do prémio Nobel da Literatura 2020 à poetisa** norte-americana Louise Glück, autora ainda sem livros traduzidos em Portugal.
Nos fins do outono uma rapariga deitou fogo
a um trigal. O outono
fora muito seco; o campo
ardeu como palha.
Depois não sobrou nada.
Se o atravessávamos, não víamos nada. (...)
in Observador, 09/10/2020; tradução originalmente publicada em Telhados de Vidro, n.º 12, Editora Averno.
** A despeito do uso cada vez mais difundido de poeta como nome comum de dois (como «o/a artista»), a forma feminina poetisa é a recomendada – tal como se deve dizer /Nobél/ e não /Nóbel/.