Palavras co bento no leba, da autoria do professor e poeta Domingos Freire Cardoso (edição do autor, que pode ser adquirida na Câmara Municipal de Ílhavo ou ou na sua loja virtual) oferece ao leitor uma viagem pelas palavras e expressões do povo da região de Ílhavo. É uma obra que pugna contra a erosão do tempo e contra a uniformização linguística que lenta e progressivamente vai absorvendo a variação linguística regional. Esta é, neste sentido, um repositório lexicográfico e cultural, que importa cuidar e divulgar.
A obra tem início com a apresentação da origem e significado do topónimo Ílhavo, ao que se segue a apresentação de alguns poemas dedicados a esta cidade. São ainda passados em revistas assuntos estreitamente ligados à história e vivência do povo ilhavense, como a água, a pobreza ou o luto.
Entra-se, de seguida, em matéria de natureza linguística. O autor começa por descrever os «sons de Ílhavo». Este é momento em que as vozes do povo desta região começam a ecoar nas páginas da obra: na troca do /v/ pelo /b/, na prótese do /a/ em palavras como abòiar (boiar) ou arreparar (reparar), na ditongação presente em quintau (por quintal) ou carriu (por carril), na apócope do /l/ em anzò ou em sò, em formas verbais como andendas (andais) ou querendas (quereis), na epêntese do /n/ em dinse (disse) ou em indeia (ideia) e em tantas outras particularidades de um linguajar oral que se apropria da língua e a transforma ou que carrega heranças muito antigas que resistem ao burilar do tempo.
O momento mais rico da obra é, não obstante, o levantamento de «Termos, expressões, ditos, ditados e memórias». Ao longo de mais de 400 páginas, Domingos Freire Cardoso oferece ao leitor um manancial de expressões típicas, transcritas de forma a respeitar as sonoridades do falar de ílhavo. É aqui que encontramos uma extraordinária riqueza lexicográfica, acompanhada de expressões típicas e de provérbios, fruto de uma pesquisa longa e aturada. Ficamos, assim a conhecer «À labordia – com fartura; “Comemos à labórdia”»; «Cardoça – grande aguaceiro»; «Gueira – porcaria; tripas nos convés dos pesqueiros», «Ir de crêna – ir de lado; “Deu-le um pontapé que inté foi de crêna»; «Mílharas – designação dada às ovas dos peixes; interior dos figos»; «Parecer (aparecer) que bai à chincha – ter as calças muito curtas (para não as molhar)».
Como adverte o autor, a seleção do material a incluir na obra foi tarefa árdua e nem todas as expressões recolhidas são exclusivas da região de Ílhavo. Todavia, afirma, «orientei-me pelo seguinte princípio: pode não ter nascido cá mas ouvia-se dizer por aqui» (p. 12).
A obra termina com excertos de diálogos entre ilhavenses e outros textos que permitem acompanhar as conversas do povo. A complementar esta densa obra encontramos, ainda, um CD onde se ouve “ao vivo” as sonoridades de Ílhavo e os contextos de uso de muitas expressões que se encontram no glossário.
Como sintetiza Domingos Cardoso, «muitos destes ditos são o resumo de vidas duras, de experiências, de observações e de aprendizagens com que elas “castigaram” os aprendizes na exigente escola do trabalho, do sacrifício e da desdita e, muito raramente, do folguedo e da abastança.» (p. 12).
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
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