A referência ao gesto do vice-Presidente angolano, Manuel Vicente – falando em português, na sequência da reunião que acabara de manter, em Washington, com o secretário de Estado norte-americano John Kerry ("obrigando-o" à respetiva tradução, ele que é casado com uma portuguesa, nascida em Moçambique) – trouxe-a o portal Rede Angola já há alguns dias. Um gesto cujo valor simbolicamente exemplar justifica que o respiguemos nesta nova atualização do Ciberdúvidas, ainda em período de férias até 1 de setembro.
Em Angola, a rádio nacional retransmite esta semana os 5.º e 7.º episódios do programa Mambos da Língua – o tu-cá-tu-lá do português de Angola.
O primeiro deles – uma catástrofe pode alguma vez ser humanitária?» –tem infelizmente toda a atualidade nos dias que correm. Como se voltou a ler e a ouvir pela imprecisão do emprego de um adjetivo com o sentido exatamente contrário ao que se está a passar na Faixa de Gaza, na Líbia, no Leste da Ucrânia1 ou no Iraque. Os crimes aí cometidos contra populações civis – chegando a envolver escolas, hospitais e locais de culto – alguma vez podem ser descritos como humanitários?
1 Já na situação aqui descrita o emprego do adjetivo humanitário tem toda a propriedade: se há ajuda, socorro ou qualquer outra iniciativa em prol (e não contra) quem quer que seja...
Tragédias... humanas é o que nos vai chegando por via das alarmantes notícias do surto do vírus do Ébola,2 em vários países da África Ocidental. Um deles – supostamente até onde a epidemia terá começado – foi a Guiné-Conacri3. Conacri, com c, que é a grafia em português da capital guineense – e não "Conakri", a forma francófona, (mal) utilizada muitas vezes nos media portugueses. Conacri sem acento gráfico no i, mas com a tónica exatamente na última sílaba – e não na penúltima, como se vai ouvindo aqui e ali. Em português as palavras acabadas em i, se não tiverem qualquer acento gráfico, como é o caso, são lidas geralmente como agudas. Por exemplo: colibri, comi, feri, parti, tupi, zumbi, etc.4
2 O nome em referência tem duas formas: ébola, registada pelos vocabulários ortográficos elaborados em Portugal (Vocabulário Ortográfico do Português do Portal da Língua; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora; e Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa; e ebola, conforme o Vocabulário Ortográfico da Líjngua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras (que também regista ebolavírus). Ambas as formas estão registadas como substantivos comuns que têm origem na forma Ebola, nome de um rio da República Democrática do Congo que corre na região onde o vírus foi identificado pela primeira vez (1976). A forma Ebola foi reinterpretada de maneiras diferentes, daí a variação. Em Portugal, à semelhança do espanhol, parece ter-se considerado uma suposta forma francesa Ébola, que, no entanto, não se documenta; seja como for, a adaptação da palavra tornou-a proparoxítona, isto é, esdrúxula, quer como nome próprio quer como nome comum: Ébola, ébola, que, no português de Portugal, soam "ébula", por o o se enconcontrar em posição átona. No Brasil, à semelhança do que se passa em inglês, no italiano e em catalão, a forma adquiriu acento tónico na penúltima sílaba, ou seja, tornou-se palavra paroxítona (ou grave): Ebola, ebola [cf. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo, s.v. ebola: »A sílaba tônica é a penúltima (bó)»; ver também artigo de Josué Machado, publicado em 27/5/1995 na Folha de S. Paulo]
3 O nome oficial do país é República da Guiné.
4 A exceção a esta regra da inexistência do acento gráfico na última sílaba prevalece desde o AO45, base XV, reafirmada na base X do AO90. «Levam, porém, acento agudo as vogais tónicas/tônicas grafadas i e u quando, precedidas de ditongo, pertencem a palavras oxítonas e estão em posição final ou seguidas de s: Piauí, teiú, teiús, tuiuiú, tuiuiús.»