Em termos gerais, o uso do artigo indefinido está relacionado com a intenção de expressar um valor [± específico].
Assim, se o falante pretender, por um lado, veicular uma leitura com um valor [+específico], «usa o sintagma nominal indefinido para referir uma entidade particular do universo do discurso (ou um grupo particular de entidades), indicando, no entanto, ao ouvinte que a identificação dessa entidade ou grupo não é importante no contexto discursivo – em certos casos (mas não em todos), porque assume que o ouvinte, de qualquer modo, não tem informação suficiente para fazer essa identificação»1, como se verifica nas frases seguintes:
(1) «Li um livro de Saramago.»
(2) «Comprei uma camisola desportiva.»
(3) «Falei com um turista espanhol.»
Por outro lado, quando o artigo indefinido é usado com um valor [-específico], «o falante não tem qualquer referente particular em mente (e por isso se considera que este uso não é referencial)»2. Este valor fica bem patente em usos como:
(4) «Vai ler um livro.»
(5) «Ele falou com um turista.»
(6) «Ele comprou uma camisola.»
Em português, existe também a possibilidade de fazer uso de sintagmas nominais reduzidos, ou seja, de grupos nominais sem determinante3, como se observa no constituinte destacada em (7):
(7) «Lisboa é capital.»
O uso ou não do artigo indefinido está relacionado com razões pragmáticas, isto é, depende das intenções do falante e da interpretação dada aos enunciados.
Assim, embora não conheçamos um estudo que aprofunde as diferenças de significação que o uso ou não do artigo indefinido pode implicar, é possível sistematizar alguns aspetos com base nas propostas presentes na Gramática do Português4:
(i) grupos nominais que se refiram a cargos, profissões, funções, na função de predicativo do sujeito podem surgir como sintagmas nominais reduzidos:
(8) «Eu sou professor.»
(ii) a ausência do artigo num grupo nominal pode permitir veicular um valor genérico:
(9) «Tens namorada?»
Neste caso, pretende-se não identificar um membro específico da classe das «namoradas», mas antes denotar uma entidade genérica, não concreta, suscetível de pertencer à referida classe.
(iii) alguns usos de sintagmas nominais reduzidos no plural apontam exclusivamente para um valor [-específico] e contrastam com um valor [+específico] que será conseguido com o uso do artigo indefinido:
(10) «Vi turistas em Lisboa.» / «Vi uns turistas em Lisboa.»
Em síntese, os usos do determinante artigo indefinido (ou a sua ausência) estão dependentes das intenções de uso que se associam a cada situação de comunicação específica, dentro das significações atrás apontadas e de outras que terão de ser analisadas em cada caso específico.
Disponha sempre!
1. cf. Miguel e Raposo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 840.
2. Ibidem.
3. Ididem, p. 848. nota 9.
4. Ibidem. pp. 848-850.