A sequência «que neste caso nem é impossível» pode ter duas interpretações:
1. Se a palavra que tiver valor causal – isto é, se for interpretada como uma conjunção subordinativa causal, equivalente a porque –, a sequência é uma oração subordinada adverbial causal.
2. Se o pronome que for visto como o que, trata-se de uma oração subordinada adjetiva relativa que funciona como aposto (isto é, como informação extra) da frase precedente: «estão ali frente a frente como se se pudessem ver, (o) que neste caso nem é impossível» = «estão ali frente a frente como se se pudessem ver, e diga-se, aliás, que isso neste caso até nem é impossível».
Acerca da possibilidade referida em 2, convém deixar mais algumas observações acerca dos pronomes relativos o que e que bem como em relação às orações subordinadas adjetivas relativas que funcionam como aposto de frase. O uso destes pronomes tem certas condições de ocorrência, conforme se descreve na Gramática do Português (GP), ed. da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 2085/2086), que, classificando o que como locução pronominal relativa, considera:
«[o seu] uso mais típico é em orações relativas apositivas de frase, ou seja, com um antecedente de natureza oracional, como se ilustra em (45):
(45) a. Estava a chover, o que nos causou muito transtorno.
b. Chegámos tarde, o que provocou a ira contida dos donos da casa.
Neste contexto, que (sozinho) não é possível: cf. *"estava a chover, que nos causou muito transtorno" e *"chegámos tarde, que provocou a ira contida dos donos da casa".»
Sobre a gramaticalidade de que tendo por antecedente «estão ali frente a frente como se se pudessem ver», vem a propósito citar ainda o que a mesma fonte observa em comentário (idem, ibidem):
«[8] Em estar a chover, o que é normal nesta época, causa muitos engarrafamentos, a oração relativa apositiva tem como antecedente a oração infinitiva completiva estar a chover, com a função de sujeito de toda a estrutura [...]. Neste caso, pode usar-se apenas o pronome relativo que: cf. estar a chover, que é normal nesta época, causa muitos engarrafamentos.
Diga-se que, no caso da frase de José Saramago, aparece como antecedente de que não uma oração de infinitivo («estarem ali frente a frente como se se pudessem ver, que neste caso nem é impossível»»), mas, sim, uma oração com um verbo num tempo finito que encerra outra de natureza adverbial também com o verbo num tempo finito – «estão ali frente a frente [como se se pudessem ver]». Poderia pensar-se, então, que a sequência em discussão constitui uma agramaticalidade; contudo, intuitivamente ela revela-se aceitável, pelo menos, atendendo ao seu caráter coloquial. É, pois, de concluir que, introduzindo uma oração que funciona como aposto de frase, o relativo que pode substituir o que tendo por antecedente uma oração finita, pelo menos, no registo falado ou no que o imita, à semelhança do texto de José Saramago.
N. E. (26/05/2021) – Corrigiu-se o terceiro parágrafo da resposta. Onde se lia, erradamente, «2. Se o pronome que for visto como o que, trata-se de uma oração subordinada substantiva relativa que funciona como aposto» passou a ler-se «2. Se o pronome que for visto como o que, trata-se de uma oração subordinada adjetiva relativa que funciona como aposto». Note-se que, no quadro do Dicionário Terminológico, só as orações subordinadas adjetivas relativas explicativas podem desempenhar a função de modificadores de frase.