A classificação da função e dos valores do pronome se é uma questão que envolve complexidade por existirem propostas de análise distintas e nem sempre compatíveis.
Não obstante, poderemos referir, como se explicou nesta resposta, que o pronome se pode ser usado
(i) como pronome reflexo: tendo um valor reflexo ou recíproco, em situações que admitem a paráfrase com a construção «a si próprio» ou «um ao outro», respetivamente;
(ii) em passivas reflexas, com verbo transitivo na 3.ª pessoa;
(iii) como pronome impessoal;
(iv) como pronome inerente (que não tem função na frase).
No entanto, como se adverte na Gramática do Português, «Existem numerosos verbos intransitivos em português que não se deixam analisar facilmente como participando em qualquer destes tipos de frase1 e que ocorrem (na maioria dos casos obrigatoriamente, por vezes opcionalmente) com se. Nesse caso, diz-se que têm conjugação reflexa»1. Este é o caso que corresponde ao pronome inerente.
Entre os verbos que se caracterizam pela dificuldade de análise, encontram-se os de movimento e/ou postura corporal, como ajoelhar-se, curvar-se, dirigir-se, reclinar-se, entre outros3. Ora, o verbo cruzar-se poderá ser incluído neste grupo, o que leva a considerar que tem um pronome inerente.
Acrescenta-se, ainda, na mesma gramática que verbos de natureza psicológica e afetiva que não têm leitura como verbos de alternância causativa-incoativa poderão também incluir um se inerente3. Este poderá ser o caso de intrometer-se e de aperceber-se, que também não parecem permitir leitura como construção reflexa:
(1) «*Ele apercebe-se a ele próprio.»
(2) «*Ele intromete-se a ele próprio.»
Disponha sempre!
*assinala a inaceitabilidade da frase.
1. As situações referidas correspondem às apontadas em (ii) e (iii), entre outras.
2. Raposo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 393.
3. Id., Ibidem, p. 395.