DÚVIDAS

O regionalismo escolateira (Alentejo, Algarve, Brasil)

Mais do que uma vez, tem aparecido o termo "esculateira" para designar uma cafeteira de café usada em tempos mais idos. Sempre presumi que se tratasse de uma corruptela do termo "chocolateira". Em pesquisas procurei perceber se este termo estava referenciado como tal ou apenas o que apareceria numa pesquisa pela Internet.

Em português de Portugal nada é referido, mas está disponível alguma informação oriunda do Brasil onde o termo é mesmo usado na sua forma corrompida: esculateira.

Trata-se efetivamente de uma corruptela de chocolateira? Há algumas referências linguísticas, históricas, etnográficas ou outras, relativamente a este termo?

Resposta

A palavra em questão, cuja grafia mais adequada é escolateira e que significa «cafeteira», é, com toda a probabilidade, uma deturpação de chocolateira.

Tem registo já antigo, sob a forma escolateira, num artigo datado de 1938, da autoria do etnógrafao alentejano Pombinho Júnior (1898-1983) e publicado na Revista Lusitana (vol. XXXVI, pág. 203) com o título "Vocabulário alentejano (Subsídios para o léxico português)", onde se pode ler o seguinte:

«escolateira, s. f. Forma popular de chocolateira (distrito de Évora).»

O autor citado acrescenta na mesma página, em nota:

«Nas falas populares alentejanas a silaba inicial cho transforma-se em es = 's. Outros exemplos: chocalho = escalho, 'scalho; chocolate = escolate, 'scolate, etc.»

Este registo, mais abreviado, figura também em dicionários recentes dedicados aos regionalismos do Alentejo, como são, por exemplo, o Dicionário de Falares do Alentejo (3.ª edição, 2013), de Vítor Fernando Barros e Lourivaldo Martins Guerreiro, e em Falares e Ditarenhos do Alentejo (2.ª edição, 2017, Lugar das Palavras Editora), de Luís Miguel Ricardo. Mas a melhor prova de o regionalismo ainda hoje perdurar é a própria pergunta da consulente.

Mesmo no Algarve, a palavra não é desconhecida, pelo menos, na região de Monchique, como evidencia a entrada que lhe dedica Mário Duarte no seu Glossário Monchiqueiro (Grupo de Dinamização Cultural "O Monchqueiro", 2016) sob a forma escolatêra, de modo a sublinhar a monotongação de ei, tão caractrísticas dos dialetos meridionais portugueses.

Em páginas da Internet, igualmente se acham vários registos de escolateira, grafado "esculateira" (é preferível manter o o de chocolate), associados ao comentário a usos linguísticos considerados típicos do sul de Portugal:

(1) «Esculateira: jarra metálica com uma pega usada para fazer café.» (Carta Gastronómica da Lezíria do Tejo - Vol. II, disponível em )

É ainda possível detetar o termo em páginas eletrónicas o BrasiL:

(2) «ESCULATEIRA: a vasilha de metal aonde passa o café e fica a tiquara» (Dicionário de Pirenopolês da Preta, 27/04/2018, disponível em Dicionário de Pirenopolês da Preta)

Por último, observe-se que a alteração semântico-referencial sofrida pela palavra é provavelmente devida ao seu uso mais frequente para preparação do café, bebida que em Portugal está muito mais generalizada do que o chocolate. Daí também que se compreenda que escolateira tenha acabado por se especializar como um sinónimo regional de cafeteira.

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