Em primeiro lugar, é de referir a particularidade da licença poética de todo o texto literário que o liberta da norma linguística, valorizando os efeitos sugeridos, a melodia, o ritmo, as sensações. Não nos podemos esquecer de que o que confere literariedade a um texto é a carga simbólica que ele transporta, a polissemia que é conseguida precisamente pela arte da escrita. Assim, a linguagem poética não está sujeita ao espartilho das regras e da norma linguística que qualquer outro tipo de texto deve respeitar. Por isso, o que seria um caso de incorreção num outro tipo de texto — como o da frase «e só tu deixas-te ir» — não pode ser encarado do mesmo modo por se tratar de um poema.
De facto, tal como o consulente sugere, esse seria um caso de próclise (colocação antes do verbo) pronominal em qualquer discurso comum, porque «o verbo vem antecedido de um advérbio (bem, mal, ainda, já, sempre, só, talvez, etc.) e não há pausa que os separe (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 313).
Relativamente à segunda questão apresentada:
Embora usemos com frequência os pronomes átonos, arbitrariamente e, na maioria das vezes, inconscientemente, a sua colocação é considerada «um dos pontos mais complicados da sintaxe portuguesa» (Pilar Vásquez Cuesta e Maria Albertina Mendes da Luz, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Edições 70, 1971, p. 493), pois, embora a sua posição lógica seja a ênclise (depois do verbo) — a posição normal do objeto direto ou indireto, as funções dos pronomes átonos —, «há casos em que, na língua culta, se evita ou se pode evitar essa colocação» (Cunha e Cintra, op. cit., p. 310), optando-se pela próclise.
Assim, apesar de alguns gramáticos e linguistas apresentarem algumas regras para as situações de próclise do pronome, pela forma como as colocam, depreende-se que estão conscientes de que são casos em que não há «exactidão absoluta» (Gramática da Língua Portuguesa, op. cit.), evitando o risco da assertividade e usando cautelosamente expressões do tipo «é […] preferida a próclise» (Cunha e Cintra, op. cit., p. 311) ou «a língua portuguesa tende à próclise pronominal» (idem, p. 313). De qualquer modo, há vários casos previstos nas regras gerais em que é preferida a próclise.
Como a colocação dos pronomes átonos tem sido objeto de muitas respostas, aconselha-se a consulta das respostas em linha sobre o tema, de que são exemplo as seguintes: A colocação dos pronomes átonos, A colocação dos pronomes e das regras e Ainda a próclise, a mesóclise e a ênclise.