Qualquer outro discurso/texto que não seja literário está sujeito à norma, às regras gramaticais. Por isso, nesse tipo de texto/discurso (não literário), é exigida a forma «dão-nos», tal como a consulente sugere, uma vez que se trata de um caso em que a forma verbal termina em ditongo nasal, o que implica que «o pronome assuma as modalidades no, na, nos, nas» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2001, p. 280).
No entanto, o enunciado em questão — «Frutos, dão-os as árvores» — é retirado de um poema de Fernando Pessoa, ou seja, é um excerto de um texto literário, cujo estatuto lhe confere a licença poética. Trata-se, portanto, de língua poética1 ou literária que alguns teóricos consideram que «representa um desvio quando comparada com a língua normal e, por conseguinte, a gramática que permite descrever e explicar os textos literários não se pode identificar totalmente com a gramática da língua normal» (Vítor Manuel Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, Coimbra, Almedina, 1983, p. 151).
1 Sobre a licença poética do texto literário, importa recordar que Todorov «identifica a essência da língua poética com a violação das normas da língua comum» e que Samuel R. Levin «sublinha que a poesia se distingue da linguagem comum por certas liberdades que consubstanciam em desvios da gramática da linguagem comum e que implicam fundamentalmente categorias sintáticas e semânticas» (Aguiar e Silva, ob. cit., pp. 151-152).