Como se pode verificar pela tinta que já fez (e continua a fazer) correr, não só neste como noutros fóruns, o pronome relativo cujo levanta efectivamente alguns problemas e dificuldades ao nível da sua aplicação e enquadramento sintácticos e semânticos, sendo até considerado por João Peres e Telmo Móia uma das áreas críticas da língua portuguesa (Lisboa, Caminho, 1995, pp. 314-315).
Ainda que tal constatação não nos permita, como é evidente, afirmar que o referido pronome se encontra, por assim dizer, em vias de extinção, a verdade é que, de facto, vários estudos portugueses e brasileiros1 apontam para a sua utilização cada vez menos frequente na linguagem falada. Os investigadores do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC) Eva Arim, Maria Celeste Ramilo e Tiago Freitas («Estratégias de relativização nos meios de comunicação social portugueses», in Actas do XIX Encontro da Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa: APL. 2004), por exemplo, sustentando-se no corpus REDIP (que contempla a linguagem produzida na rádio, na televisão e na imprensa, em Portugal, no ano de 1998), concluem que o pronome cujo parece «gerar alguma estranheza quando utilizado» (p. 9). Segundo Eva Arim e outros, o referido termo apresenta apenas, no citado corpus, 18 ocorrências no discurso oral e 38 no discurso escrito (numa proporção, portanto, de 67% para 33%, respectivamente). Segundo Marcos Bagno (Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola Editorial, 2001), citado pelos referidos investigadores, «a tendência para o desaparecimento do pronome cujo deve-se de certa forma ao facto de este pronome ter perdido algumas das funções que desempenhou em estádios anteriores da língua, como a de pronome interrogativo, ex.: Cuja é esta caveira? [...] com o valor equivalente à da formulação actual De quem é esta caveira?» (p. 9). Assim, Eva Arim e outros constatam, por exemplo, que «a queda em desuso do pronome cujo parece ser um dos factores responsáveis pelo aparecimento de relativas cortadoras» (p. 9), apresentando os autores os seguintes exemplos em que os falantes, para não usarem o pronome cujo (o elemento que mais se adequaria a construções deste tipo), acabam por recorrer à referida estratégia cortadora:
a) Nós temos nos nossos cromossomas umas partezinhas que são os telómeros, que não interessa muito os nomes. [Outro Sentido, RDP África] (em vez da «alternativa canónica» (p. 10) Nós temos nos nossos cromossomas umas partezinhas que são os telómeros, cujos nomes não interessam muito);
b) Agora o santo padre fez uma encíclica entre a fé e a razão que eu recomendo a leitura. [Casos de Polícia, SIC], em vez da «alternativa canónica» Agora o santo padre fez uma encíclica entre a fé e a razão, cuja leitura eu recomendo.
Valerá ainda a pena dizer, em sintonia aliás com as conclusões da consulente, que, do ponto de vista da linguagem escrita, a utilização do pronome relativo em análise continua, de acordo com os estudos consultados, a ser relativamente frequente. Neste sentido, uma consulta aos corpora CETEMPúblico e CETENFolha mostra claramente a pertinência de tal conclusão: 19 112 ocorrências do referido pronome no primeiro e 2177 no segundo.
1 Por exemplo, neste estudo da investigadora brasileira Dorotea Frank Kersch (Preposição diante do pronome relativo no português brasileiro e europeu, DELTA: Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, 2008), partindo de conclusões de Fernando Tarallo (Relativization strategies in Brazilian Portuguese. Philadelphia, University of Pennsylvania, PhD Dissertation, mimeo. 1983), uma das premissas de partida é justamente a de que, do ponto de vista da oralidade, «o pronome relativo cujo [no Brasil] está em desuso, sendo substituído por outros pronomes relativos ou por outras construções».