A evolução da realidade, de qualquer realidade, exerce normalmente uma pressão sobre a língua no sentido de esta ser permeável à mudança buscando novas palavras que permitam verbalizar novos factos. Como seria o mundo se não o pudéssemos dizer? É esta mutação contínua que, por exemplo, nos obriga hoje a pensar em que nome devemos dar a uma mulher que tem a patente de general? Ou no nome a dar a uma mulher que pilota um avião?
A questão das profissões e a sua abertura ao género feminino coloca efetivamente desafios muito interessantes à língua. É evidente que o género na língua é algo arbitrário. Por essa razão, árvore é feminino em português, mas arbre em francês é masculino. A realidade designada é a mesma, o género selecionado é pura arbitrariedade. Todavia, não é menos verdade que a língua mantém relações com a realidade extralinguística, o que leva a que, em determinados casos, os dois géneros linguísticos traduzam na verdade o género masculino e feminino do nosso mundo. Recorde-se o caso de menino e menina.
No campo das profissões, percebemos claramente que, em diversos casos, o facto de os nomes só terem uma forma masculina se deve a uma realidade inequívoca: durante muito tempo, essas profissões foram desempenhadas exclusivamente (ou quase) por homens. Pedreiro, carteiro, soldado, bispo são vocábulos que parecem evidenciar esta realidade.
Contudo, a mudança linguística pode ser observada também no caso das profissões. Passemos em revista algumas realidades.
Palavras que já encontraram o seu feminino
Nalguns casos, palavras que só tinham formas masculinas encontraram já o seu feminino. São profissões que passaram a ser desempenhadas por mulheres com alguma regularidade, o que forçou a língua a definir a forma adequada para as referir. Normalmente, é o discurso mediático o primeiro a sentir a necessidade do termo justo para designar a realidade. Atualmente, são já comuns pares como ministro-ministra, juiz-juíza, condutor-condutora.
Palavras à procura do feminino
Há palavras cuja forma feminina ainda provoca uma sensação de estranheza. A sua frequência de uso ainda será baixa, pelo que os falantes ainda não se habituaram a elas. Bombeira, aprendiza, árbitra, palhaça, bispa ou pescadora são vocábulos que ainda farão levantar o sobrolho a muitos falantes.
Femininos à procura de um sentido
A longa tradição de uso de certos vocábulos no masculino para designar uma dada profissão permitiu, em determinadas situações, que a palavra que poderia corresponder à sua forma feminina se especializasse noutros sentidos. É o caso da palavra carteira que comummente não é entendida como masculino de carteiro, mas como uma “bolsa de mão”, ou de política, que se associa a “ciência de governo de uma nação”, ou pedreira, que será o “local de onde se extraem pedras”, entre outros casos mais ou menos caricatos. Este pode ser um entrave ao uso destas palavras como forma feminina das profissões envolvidas.
Palavras à procura do seu masculino
Se há profissões que durante muito tempo foram tidas como masculinas, também há as que se consideram típicas do género feminino, o que explicará o domínio das formas femininas nestes casos. É o caso de mulher a dias, que ainda procura o seu “homem a dias”, de dona de casa (“dono de casa” não está dicionarizado) ou doméstica, que o dicionário define como “mulher sem profissão”, não prevendo a forma “doméstico”. E o que dizer de esteticista?
Palavras cujo feminino é depreciativo
A ocupação de certas profissões por mulheres ou o comportamento “masculino” de outras terá ditado o uso pejorativo de certas formas. O que dizer de expressões como «Ela é uma generala» ou «Tem a mania que é chefa»?
A vitalidade que marca uma língua passa também pela sua adequação a novas realidades, o que vai muito além da ideologia de género, que muito se tem debatido em diferentes meios. Se a língua se adapta à inovação do meio digital, como pode evitar adequar-se ao mundo profissional?
Cf. Textos Relacionados, ao lado