« (...) Diferente do inglês, no qual as gramáticas tendem a descrever o uso que os falantes fazem da língua, no Brasil há normas que prescrevem o que deve ser usado. (...)»
Com desafios complexos, os debates realizados no âmbito acadêmico e militante têm sido fundamentais na visibilidade do tema e uso em algumas instituições públicas
A linguagem neutra, ou também conhecida como linguagem não-binária, tem sido cada vez mais discutida entre as pessoas e dentro das academias no Brasil. Ela consiste em não determinar gênero masculino ou feminino para incluir pessoas que não se identificam como homens ou mulheres. (...)
Para o professor da Universidade de São Paulo e doutor em linguística Eduardo Calbucci, uma língua não funciona por uma legislação. Nestes termos, os governantes ou os linguísticos não têm direito de dizer o que deve ser usado ou não, então uma língua é usada naturalmente. «A implementação dela não depende da vontade das pessoas ou da determinação de um determinado sujeito, ela simplesmente acontece», explica.
Neste mesmo entendimento, Luiz Carlos Schwindt, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em linguística, aponta que isso não quer dizer que uma mudança não possa ser iniciada por um uso consciente ou político da linguagem: apenas significa que, independentemente da motivação, só prosperam mudanças que encontram uma conjuntura social e estrutural para se estabelecer.
O especialista ainda aponta que o emprego do feminino, ou a priorização de expressões no feminino, vem crescendo tanto na língua escrita quanto na língua falada. Já o emprego de "e" para marcar uma palavra neutra parece mais restrito. Um dos conceitos da linguagem neutra é o de substituir as letras “a” e “o” em adjetivos para tornar essas palavras ainda mais neutras.
Para o pesquisador e ativista trans Oliver Balbi, o Brasil, como a maior parte dos países de línguas latinas, tem em sua gramática normas que prescrevem o que deve ser usado, mesmo que essas regras não estejam mais no dia a dia dos falantes. «Diferente do inglês, no qual as gramáticas tendem a descrever o uso que os falantes fazem da língua, no Brasil há normas que prescrevem o que deve ser usado», declara.
Portanto, para Oliver colocar nessa gramática prescritiva novas normas, principalmente essas que têm um caráter político tão fortemente marcado, é complexo, pois quem define o que seria o “correto” são pessoas com poder social e estas não se beneficiariam com as mudanças estruturais que isso poderia causar.
Schwindt acredita que um dos principais desafios de uma linguagem inclusiva na Língua Portuguesa está na dificuldade de se estabelecer oposição com palavras. «De todos os gêneros, fechadas pelas três vogais de que dispomos para o final das palavras, exemplo de o livro/a tribo, o/a linguista, o pente/a ponte, o mecanismo de concordância e o sistema de recuperação pronominal. O desafio maior no caso do uso inclusivo da linguagem, em minha opinião, é o de compreensão do que ela significa, de seu valor social e estrutural. O acesso à informação, em geral, é atrapalhado pelo preconceito, que se espalha mais rápido em geral do que o conhecimento».
Cf. Linguagem não-binária: pró e contra + "Camarados" + Todes juntos, vamos! + A polémica expressão «pessoas que menstruam» + Nem todas as pessoas que menstruam são mulheres + “Mulher” é pouco inclusivo. E que tal “pessoa com vagina”? + «Pessoas que menstruam». Governo concorda com DGS