«(...) Em regra, os nomes comuns trabalhadores, gestores, idosos, contribuintes ou migrantes, deixam o género masculino para passarem a ser designados como a população: trabalhadora, ou idosa, ou migrante, respetivamente. (...)»
Na última reunião plenária [em 8 de março de 2021] do Conselho Económico e Social (CES), o presidente retirou a proposta de um novo manual de «linguagem neutra e inclusiva» que passaria a reger toda a comunicação, interna e externa. Vários das organizações e representantes dos parceiros sociais presentes na reunião levantaram objeções ao documento, e Francisco Assis optou por adiar a sua votação. A primeira proposta apresentada pela nova direção do CES evitou, assim, o risco de chumbar.
Francisco Assis nega ao Expresso que estivesse em causa o veto do documento. «Estou convencido que a proposta iria passar, embora com algumas abstenções e dois ou três votos contra», disse. Alguns dos participantes na reunião questionaram a «oportunidade» desta discussão, numa altura em que o país enfrenta uma pandemia grave e uma maior crise económica e social. Assis responde que «não estamos em estado de paralisia, nem impedidos de pensar» e justifica a retirada da proposta antes da votação pela necessidade de «acolher os vários contributos apresentados na reunião». O presidente do CES admite, no entanto, existirem algumas «reservas e resistências» e considera que «temos toda a vantagem em fazer uma discussão aberta, porque o que não é discutido não é interiorizado».
O documento de 16 páginas foi escolhido expressamente para ser levado ao CES no Dia da Mulher [em 8 de março]. Uma data simbólica, a que acresce o facto de a autora ser Sara Falcão Casaca, socióloga e especialista em questões de igualdade, que foi chamada para a vice-presidência pelo novo presidente.
A ideia de que é necessário tornar os documentos oficiais mais «inclusivos» não é nova, surge mesmo como recomendação feita, não só pelo Conselho Europeu, mas também pelo próprio Conselho de Ministros. E, no seu primeiro contributo para a discussão, a socióloga defende o manual como forma de «garantir que, no CES, a discussão de diferentes temas e a transmissão de ideias seja feita de forma a seguir as orientações e as boas práticas em matéria de linguagem inclusiva».
Para facilitar, a autora dá exemplos e apresenta «formas simples de evitar o uso do masculino universal», passando para o uso da «linguagem neutra». Em regra, os nomes comuns como trabalhadores, gestores, idosos, contribuintes ou migrantes, deixam o género masculino para passarem a ser designados como a população: trabalhadora, ou idosa, ou migrante, respetivamente. Em alternativa, «a outra opção é a de especificar os dois determinantes. Tanto no singular, como no plural», esclarece Sara Falcão Casaca, exemplificando, assim com «o trabalhador e a trabalhadora», «o pensionista e a pensionista» e por aí adiante.
O manual de linguagem inclusiva não se fica apenas pelos protagonistas principais dos documentos, habitualmente, produzidos no CES. E porque «as boas práticas linguísticas requerem a inclusão de todas as pessoas», a investigadora ilustra a sua proposta com outros casos onde «importa dissociar a pessoa/ser humano da condição específica que se pretende descrever». É o caso das referências aos vários tipos de deficiências ou de comunidades.
«A título ilustrativo, não é a pessoa que é deficiente, pelo que não é a pessoa que se qualifica, mas sim a sua condição de deficiência ou de incapacidade para o trabalho profissional», diz o documento, que passa assim a sugerir que se designem os cegos como «pessoa invisual», os coxos por «pessoa com deficiência física» ou a «raça cigana por povo ou comunidade cigana». Até mesmo os “amblíopes” passam a ser designados como «pessoas com baixa visão».
O manual tem múltiplos exemplos e, apesar de ter como «foco principal a elaboração de documentos» não deixa de se estender ao «contexto de reuniões e e-mails» feitos com ou por membros do CES. É sugerido, assim que, a abertura das reuniões do Conselho siga a seguinte fórmula: «Bem-vindas e bem-vindos senhoras e senhores conselheiros», admitindo-se que «a ordem é indiferente». Já quanto ao correio eletrónico, «tanto a redação de e-mails, como o seu título deve seguir a estratégia recomendada para a comunicação nas reuniões».
Cf. A polémica expressão «pessoas que menstruam» + Nem todas as pessoas que menstruam são mulheres + “Mulher” é pouco inclusivo. E que tal “pessoa com vagina”? + «Pessoas que menstruam». Governo concorda com DGS
Notícia publicada no semanário Expresso em 12 de março de 2021, assinada pela jornalista Rosa Pedroso Lima