Num período de comemorações do centenário da implantação da república em Portugal (5 de Outubro de 1910), em que se revivem os acontecimentos históricos mais marcantes da mudança de regime político, releve-se aqui a Reforma Ortográfica de 1911. Tratou-se da «primeira grande reforma da língua», medida reveladora da política para a língua do governo da recém-implantada república portuguesa, cujas bases foram publicadas no Diário de Governo, n.º 213, de 12 de Setembro de 1911).
Evidenciando a consciência da necessidade de «simplificar e de regular a ortografia», a Reforma de 1911 – eliminação do y e dos dígrafos de origem grega: th (substituído por t), ph (substituído por f), ch (com valor de [k], substituído por c ou qu de acordo com o contexto) e rh (substituído por r ou rr de acordo com o contexto); com a introdução de numerosa acentuação gráfica, nomeadamente nas palavras proparoxítonas — gerou muita polémica e teve a oposição de escritores de renome, de que são exemplo Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, o que leva este último a afirmar:
«Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente. Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.» (Bernardo Soares, Livro do Desassossego).
E Teixeira de Pascoaes, sobre o "i" em vez do "y", na palavra lagryma:
«Na palavra lagryma, (…) a forma da y é lacrymal; estabelece (…) a harmonia entre a sua expressão graphica ou plastica e a sua expressão psychologica; substituindo-lhe o y pelo i é offender as regras da Esthetica. Na palavra abysmo, é a forma do y que lhe dá profundidade, escuridão, mysterio… Escrevel-a com i latino é fechar a boca do abysmo, é transformal-o numa superficie banal.» Teixeira de Pascoaes, A Águia.
Ou, ainda, o que escreveu o gramático Alexandre Fortes, nas vésperas da aprovação da reforma ortográfica de 1911:
«Imaginem esta palavra phase, escripta assim: fase. Não nos parece uma palavra, parece-nos um esqueleto (...) Affligimo-nos extraordinariamente, quando pensamos que haveriamos de ser obrigados a escrever assim!» Alexandre Fontes, A Questão Orthographica, Lisboa, 1910.
A consciência das variantes linguísticas (do português europeu, do português do Brasil, do de Angola, do de Moçambique e do dos outros países lusófonos) a nível da pronúncia, da estrutura/construção frásica, da acentuação, da grafia correcta de muitos vocábulos da língua portuguesa tem sido objecto de análise no consultório, tendo em conta a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990. Para além de toda a sua controvérsia... como há 100 anos.