1. A presença do Atlântico na génese e difusão da língua portuguesa tem associada uma longa tradição de lendas que já vêm da Antiguidade. Faz parte dessas narrativas o mito da fabulosa ilha ou continente da Atlântida, que Platão recolheu ou inventou nos diálogos Timeu e Crítias (c. 360 a. C.), obras onde se encontram as primeiras atestações do nome, em grego, Atlantìs nḗsos, literalmente «ilha do Atlas»*. A denominação passou depois ao latim e, sob a forma Atlantide(m), foi adaptada ao português como Atlântida (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). O mito da Atlântida pode também ser visto como «uma ficção para [Platão] divulgar os seus ideais políticos camuflando-os de factos históricos, já que o sucesso deste paraíso se devia à sobriedade, a autossuficiência económica e obediência às leis», conforme escreve a professora universitária Dora Nunes Gago em crónica partilhada na rubrica Controvérsias. Num diagnóstico sombrio, defende esta autora que «no panorama da pós-modernidade, das desagregações, dos questionamentos, num tempo marcado pela desordem e pelas incertezas, o mito de Atlântida jaz submerso por uma modernidade e por uma sociedade líquidas, conceitos criados pelo sociólogo polaco Zygmunt Bauman», o que «revela como a política e as instituições sólidas da modernidade se derreteram em elos instáveis, precários». Um texto para refletir, portanto, e com toda a atualidade, por exemplo, quando se emprega a expressão «Nova Ordem Mundial».
* Atlântida é nome interpretado como «filha de Atlas», sendo Atlas, na mitologia grega, um titã que «sustentava as colunas do céu e detinha o oceano, por isso dito Atlântico» (Dicionário Houaiss). Atlas, que hoje é o nome de uma importante cadeia montanhosa que percorre o norte de África, de Marrocos à Tunísia, está, portanto, na derivação de Atlântico, além de ocorrer como nome comum bem conhecido: atlas, «livro constituído por uma coleção de mapas ou cartas geográficas» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa).
2. No Consultório, pergunta-se se é correto dizer e escrever «desfilar ódio». A expressão pode fazer sentido, mas o uso idiomático é «destilar ódio», como se adianta nas seis respostas desta atualização, que incluem ainda tópicos sobre o valor do pronome lhe, os nomes de dois jovens italianos recém-canonizados, um caso de predicativo do complemento oblíquo, a diferença entre impensado e impensável e, por último, outra expressão idiomática: «cair em cima (de alguém)».
3. Na Montra de Livros, apresenta-se O Poder das Nossas Palavras, em que a autora, Sandra Duarte Tavares, sugere estratégias e dá exercícios para comunicar com clareza, propósito e impacto em diferentes contextos.
4. O que é um trema? Para que serve? Um episódio da atualidade política portuguesa deu atualidade a este sinal gráfico, e o consultor Carlos Rocha dedica-lhe um apontamento no Pelourinho.
5. Relativamente aos projetos em vídeo do Ciberdúvidas, em Ciberdúvidas Responde (episódio 41), comenta-se a etimologia de cachimbo, e, em O Ciberdúvidas Vai às Escolas (episódio 36), pergunta-se: é incorreto dizer «há dez anos atrás»?
6. Registos diversos:
– contra a xenofobia, o pertinente artigo de opinião do professor brasileiro José Luís Landeira intitulado "No Brasil, fala-se o português... e em Portugal também", publicado no Público Brasil, em 07/09/2025;
– a propósito da flotilha que se dirige para a Faixa de Gaza em missão humanitária, o artigo "Flotilha e sumud"*, da professora universitária brasileira Priscila Figueiredo, publicado no jornal digital Outras Palavras em 13/09/2025;
– o Festival Literário Internacional de Querença, no Algarve, que tem lugar de 19 a 21 de setembro e que tem como figura homenageada a escritora Lídia Jorge.
* A palavra árabe ṣumūd (صُمُود) significa «tenacidade, firmeza, resistência» (cf. Wiktionary).
7. Em dois dos programas em que, na rádio pública de Portugal, se trata de temas da língua portuguesa, são temas em foco:
– O mais recente livro, O Poder das Nossas Palavras (Oficina do Livro), da linguista Sandra Duarte Tavares, é o tema de Língua de Todos, difundido na RDP África, na sexta-feira, 19/09/2025, às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*);
– Em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 21/09/2025, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 27/09/2025, às 15h30*), entrevistam-se os professores Paulo Nunes da Silva (Universidade Aberta), Luís Filipe Barbeiro (Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Politécnico de Leiria) e Fausto Caels (Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Politécnico de Leiria), sobre manuais escolares e outros recursos didáticos, bem como acerca da avaliação da produção textual de alunos. Ainda o apontamento gramatical da professora Carla Marques, que esta semana tece considerações sobre a frase «desculpa lá».