A palavra genocídio carrega um peso semântico e histórico que a torna uma grave acusação que se pode fazer contra um Estado, um grupo ou uma liderança. Mas o que significa, exatamente, genocídio? E porque é que, mesmo diante de evidências, há quem insista em negar-lhe o nome?
O termo chegou ao português através do inglês genocide, formado por geno- (do grego γένος, génos, que significa «nascimento, raça ou povo») e pelo elemento de origem latina -cide (de caedere, matar), que corresponde ao português -cídio (Dicionário da Língua Portuguesa, Academia das Ciências de Lisboa). Foi cunhado em 1944 pelo jurista judeu polaco Raphael Lemkin, no contexto do Holocausto. Lemkin combinou os radicais do grego génos com o latim caedere, criando uma palavra nova para designar o extermínio a que se assistia. A proposta visava preencher uma lacuna jurídica: nomear e punir crimes que, até então, não tinham designação específica (Etymonline). A palavra foi posteriormente consagrada na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, adotada pela ONU em 1948.
Atualmente, a palavra tem tido uso recorrente. Para contexto, a palavra tem sido usada com frequência desde o início da guerra em Gaza, em outubro de 2023, quando o grupo Hamas lançou um ataque surpresa contra Israel, matando mais de 1200 pessoas e fazendo centenas de reféns. A resposta israelita foi uma ofensiva militar de larga escala que, dois anos depois, já causou mais de 67 mil mortes palestinas. A Comissão de Inquérito da ONU concluiu que Israel cometeu quatro dos cinco atos definidos pela Convenção de Genocídio de 1948: assassinato, danos físicos e mentais graves, imposição de condições de vida destrutivas e medidas para impedir nascimentos.
Israel, por sua vez, rejeita o termo, alegando legítima defesa e acusando os relatórios de serem enviesados ou baseados em propaganda do Hamas. A acusação de genocídio tornou-se, assim, não apenas uma questão jurídica, mas um campo de disputa política e simbólica. A comunidade internacional está dividida: enquanto países como África do Sul, Chile e Brasil reconhecem o genocídio, outros como EUA, Reino Unido e Alemanha evitam o termo.
Mas o que dizem os dicionários sobre esta palavra que se tornou bandeira, denúncia e, para alguns, exagero?
O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa define genocídio como o «extermínio sistemático de um grupo étnico, religioso ou nacional». O Dicionário Houaiss, por sua vez, descreve-o como «extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso», «aniquilamento de grupos humanos, o qual, sem chegar ao assassínio em massa, inclui outras formas de extermínio, como a prevenção de nascimentos, o sequestro sistemático de crianças dentro de um determinado grupo étnico, a submissão a condições insuportáveis de vida, etc.». O Priberam segue linha semelhante, destacando o caráter organizado da ação. Já o Michaelis acrescenta «métodos cruéis» e práticas como «eliminação de povos com utilização de prevenção de nascimento, desaparecimento de crianças e condições subumanas de vida».
Apesar das variações, há consenso sobre três elementos essenciais: intenção, sistematicidade e direcionamento contra grupos específicos. É precisamente nesses pontos que se trava o debate atual. Há quem argumente que, para se falar em genocídio, é necessário provar a intenção explícita de destruir um grupo. Outros sustentam que a prática sistemática e os resultados evidentes bastam para configurar o crime.
Refira-se como exemplo um artigo de opinião incluído em 29/09/2025 no jornal Público, de João Miguel Tavares, em que este comentador político questiona o uso “obsessivo” da palavra genocídio, alertando para o risco de banalização. Nesta crítica não se nega que ocorram genocídios, mas propõe-se cautela na aplicação da expressão, sobretudo em contextos de guerra onde há múltiplas narrativas. Por outro lado, há quem defenda que, perante um genocídio anunciado, testemunhado e classificado por especialistas e instituições internacionais, não há espaço para contraditório jornalístico, há, sim, urgência em travá-lo.
Concluindo, a palavra genocídio é recorrente em contextos de conflito e baixas civis, mas nem sempre com o mesmo grau de consenso. O seu uso implica responsabilidade, e o seu significado, embora definido, continua a ser disputado. A etimologia lembra o peso da criação de Lemkin, nascida da urgência de nomear este problema; os dicionários apontam o crivo da intenção, da sistematicidade e da direção contra grupos específicos; e a atualidade avisa que, sem rigor, o termo se arrisca a tornar-se vítima do próprio sentido.