«Sabemos que o estribo é o menor e mais leve osso do corpo humano, situado no ouvido médio, cuja vibração correcta nos permite ouvir. E é esse osso estribo que se converte em símbolo não apenas de silêncios, mas da resistência feminina no seio de uma sociedade patriarcal.»
Lauren Mendinueta nasceu na Colômbia, reside em Portugal desde 2007, publicou cinco livros, estando a sua poesia traduzida em português, inglês, italiano, russo, alemão, francês, e incluída em diversas antologias. É também ensaísta e divulgadora de poesia, com participação regular em festivais literários internacionais. A sua obra foi distinguida com diversos prémios, como foi o caso do Prémio Internacional de Poesía Martín García Ramos, Almería, España, 2007, com La vocación suspendida e do VIII Prémio Internacional de Poesía César Simón, Universidade de Valência, Espanha, 2011.
O seu livro mais recente, lançado em Junho deste ano, intitula-se Um osso quase invisível, foi publicado pela The Poets and Dragons Society e traduzido por Luís Filipe Sarmento, encontra-se organizado em cinco partes: “Um osso quase invisível”, “Gretel e as suas irmãs”, “Serei honesta”, “A Casa da falésia” e “Não posso adiar o amor”.
Partindo do título, sabemos que o estribo é o menor e mais leve osso do corpo humano, situado no ouvido médio, cuja vibração correcta nos permite ouvir. E é esse osso estribo que se converte em símbolo não apenas de silêncios, mas da resistência feminina no seio de uma sociedade patriarcal («Também nós seremos osso, / osso semilunar/ estribo e o resto» (p.12) e dirigindo-se ainda a esse tu patriarcal, afirma: «Do teu osso estribo/ faremos um archote.» Será com esse archote que se iluminará a luta, entre «o pulsar do marfim» , a tirania dos «ventos solares» , as «caricias de veludo» de sombras e céus subterrâneos, na partilha da irmandade com todas as mulheres que são «carne aberta, enclausurada» (p.23), resistem às leis ditadas pelo Papá Smurf e pelo Papá Aristóteles com todo o simbolismo que encerram. Assim, todo este percurso desenvolvido entre a vulnerabilidade e a resistência alicerça-se na palavra que germina no âmago do corpo, pois «As grandes palavras estão cosidas na minha pele/ as grandes palavras mantêm-me viva» (p. 76). Essa vida transparece numa poesia onde, como refere Maria João Cantinho, num texto publicado em Julho, na revista Caliban «existe uma claridade irradiante, onde as metáforas são surpreendentes e os recursos prosódicos variados, e a linguagem, ora coloquial, ora metafórica, é fluída e requintada».
Se como referiu a poetisa argentina Alejandra Pizarnik «A poesia é o lugar onde uma mulher pode ser inteira e fragmentada ao mesmo tempo», neste caso, ela é também o palco onde as vozes das mulheres dos mais variados tempos e lugares se irmanam, dilaceradas, a confluir num “eu poético”, dando o mundo à luz, entre as mais secretas dores e sombras.
Em síntese, Um osso quase invisível evidencia a poesia como arte de revelar os silêncios do corpo, da memória, do passado, a solidão, as marcas dos exílios, a opressão, as feridas que esculpem a existência (mesmo que pareçam invisíveis como o estribo), numa reflexão sobre a vulnerabilidade e a resistência que ecoam entre a luz e o clamor do silêncio.