Com a realização das eleições autárquicas no passado domingo (12 de outubro), multiplicaram-se os usos de termos como autarca, autarquia e autárquicas nos meios de comunicação e nas conversas do quotidiano. Embora sejam, do ponto de vista formal, semelhantes entre si, cada um destes vocábulos tem um uso e significado próprio, bem como uma origem que os distingue.
Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, autarquia e autarca têm etimologias distintas, ainda que sejam semanticamente próximas. Autarquia deriva do grego autárkeia (αὐτάρκεια), que significa autossuficiência ou independência. Esta ideia de autonomia ajuda a explicar o uso moderno do termo para designar entidades públicas com capacidade de administração própria, como as câmaras municipais e juntas de freguesia.
Importa ainda notar que, em certos contextos, autarquia pode designar organismos públicos com autonomia administrativa fora da esfera local, como algumas entidades reguladoras. Contudo, no uso corrente em Portugal, o termo remete quase sempre para o poder local. É também frequente o uso metonímico de autarquia para designar o edifício da câmara municipal ou a própria administração local: «A autarquia investiu na requalificação dos jardins da vila».
Já autarca provém do grego autárchēs (αὐτάρχης), que significa «soberano absoluto» ou «aquele que exerce o poder por si mesmo». Contudo, no português contemporâneo, o sentido absolutista perdeu-se e esta palavra passou a designar o titular de um cargo político numa autarquia local, como o presidente da câmara ou da junta de freguesia.
Quanto ao adjetivo autárquico (com variação em género e número), é o termo que qualifica tudo o que se relaciona com as autarquias. Quer isto dizer que, quando falamos de «eleições autárquicas», «representantes autárquicos» ou «poder autárquico», referimo-nos, no fundo, a tudo o que é relativo à administração e ao poder local, ou seja, próprio de cada localidade.
Em síntese, neste último domingo, quando os portugueses foram chamados às urnas, foi para escolherem os seus representantes locais — os seus autarcas — que, nos próximos quatro anos, irão liderar as autarquias portuguesas. E, como acontece em cada eleição, é sempre um momento em que a língua e a democracia se cruzam, lembrando-nos que até as palavras podem ter poder.
Na imagem, a fachada do edifício dos Paços do Concelho de Lisboa.