A recente substituição, por parte do governo português, do termo «renda acessível» por «renda moderada» – no âmbito das novas medidas de apoio à habitação – oferece uma análise semântica e discursiva particularmente interessante do adjetivo moderado. A escolha de uma palavra em detrimento de outra não se limita a uma questão terminológica: envolve também um reposicionamento do significado e da perceção pública associada ao conceito adotado.
De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (DLPACL), do ponto de vista etimológico, o termo moderado provém do latim moderātus. Segundo The Concise Oxford Dictionary of English Etymology, trata-se do particípio passado do verbo moderārī, -āre, que pode significar «reduzir», «conter» ou «regular».
Em português, moderado, enquanto adjetivo, qualifica aquilo que não excede limites – seja no comportamento, na velocidade, no preço, na linguagem ou até na temperatura. Trata-se, portanto, de uma palavra com carga valorativa positiva, frequentemente associada a equilíbrio, sensatez e razoabilidade. Neste sentido, moderado pode ser usado em contextos como: «Nesta época do ano, a temperatura é moderada, nem alta nem baixa» ou «As suas opiniões políticas distanciam-se do radicalismo excessivo, já que pertence à ala moderada do partido».
Neste enquadramento, o facto de o governo português passar a considerar como «moderadas» rendas entre os 400€ e os 2300€ levanta dúvidas do ponto de vista semântico. Será adequado qualificar como moderada uma renda que ultrapassa, em muito, o salário mínimo nacional e até mesmo o salário médio? Neste caso concreto, poder-se-á dizer que o valor semântico do adjetivo moderado entra em aparente dissonância com o referente real a que se aplica.
Este tipo de fenómeno linguístico pode ser descrito como um processo de redefinição institucional de termos comuns, em que palavras de uso corrente são integradas no discurso técnico-político com sentidos mais amplos, especializados ou estrategicamente neutros. Ao contrário de acessível – termo que sugere uma ligação direta à capacidade económica dos cidadãos –, moderado introduz uma nuance mais vaga e subjetiva, permitindo uma aplicação mais alargada e menos vinculada a parâmetros socioeconómicos explícitos.
Por esta razão, poder-se-á assumir que a escolha do adjetivo moderado surge como uma tentativa de suavizar o impacto da medida, transmitindo uma ideia de contenção e razoabilidade, ainda que os valores concretos envolvidos possam suscitar interpretações divergentes.
Em síntese, o caso da «renda moderada» ilustra bem como o significado das palavras se constrói não apenas pela sua etimologia ou uso histórico, mas também pelo contexto de enunciação e pelos efeitos pragmáticos que produzem. O sentido do adjetivo moderado, embora tradicionalmente associado à ideia de equilíbrio, pode, neste caso, suscitar debate precisamente por confrontar o significado linguístico comum com a realidade social.