A frase apresentada é típica do português de Portugal, onde si é a forma de você depois de para: «para si» = «para você». Este uso não está incorreto, mas só é válido em Portugal e nos países africanos de língua portuguesa. Obviamente que não se aceita no Brasil, porque não ocorre entre falantes deste país nem tem tradição na sua norma culta.
Quanto a considerar «para si» completamente incorreto, porque se diz que «o português é uma língua regulamentada internacionalmente e tem regras» e «seja em Portugal, no Brasil ou alhures, a regra gramatical só permite o uso do si como pronome reflexivo (ou reflexo)», trata-se de uma perspetiva muitíssimo discutível e contestável. Na verdade, em Portugal, o uso explícito de você – que geralmente fica subentendido no emprego das formas verbais e pronominais de 3.ª pessoa1 – é visto por muitas pessoas como pouco cortês. O emprego de «para si» e consigo contorna esse dilema do tratamento do interlocutor na 3.ª pessoa do singular.
1 Em Portugal, é frequente produzirem-se enunciados dirigidos a um interlocutor tratado na 3.ª pessoa, sempre evitando o pronome de tratamento você; por exemplo: «Então, como está? Já sabe da novidade? Não sabe?! Ah, mas eu conto-lhe... Mais logo, quando o vir ao almoço.»
N. E. (30/09/2020) – Historicamente, si e consigo eram apenas formas reflexas (ou reflexivas ) da 3.ª pessoa em todas as variedades da língua portuguesa. Porém, em Portugal, estas formas pronominais, sem deixar de ser usadas reflexivamente, ocorrem sobretudo associadas a você (que, como foi dito, se subentende na comunicação). No português europeu, aceita-se, portanto, e está correta uma frase como «trouxe este livro para si, porque gostava de o discutir consigo», na qual «para si» e «consigo» equivalem, respetivamente, a «para você» e «com você», e marcam o destinatário do enunciado. Este uso é desconhecido no Brasil, país que, a este respeito segue a antiga norma exclusivamente reflexiva, como aponta Paul Teyssier no seu Manual de Língua Portuguesa (Coimbra, Coimbra Editora, 1989, p. 132). Acrescente-se que o emprego de si e consigo como formas associadas à 2.ª pessoa foi objeto de censura prescritiva, mesmo em Portugal, mas, em meados do século XX e até muito antes, estava já bem consolidado no português de Portugal, como observava Vasco Botelho de Amaral em Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, 1958, p. 1055).