Em Portugal, a forma de tratamento você nem sempre é considerada muito educada, e, ainda hoje, fora da intimidade, não é raro associá-la a alguém que não é muito culto e tem falta de educação. A propósito deste pronome de tratamento, Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 294), observam o seguinte (manteve-se a ortografia):
«[O valor] de tratamento igualitário ou de superior para inferior (em idade, em classe social, em hierarquia), e apenas este, [é] o que você possui no português europeu normal europeu, onde só excepcionalmente – e em certas camadas sociais altas – aparece como forma carinhosa de intimidade. No português de Portugal não é ainda possível, apesar de certo alargamento recente do seu emprego, usar você de inferior para superior, em idade, classe social ou hierarquia.»
Quase trinta anos depois de estas palavras terem sido publicadas, a perspetiva por elas descrita ainda se mantém em Portugal, embora no passado a atitude fosse, em certos meios, mais exacerbada, quando se encarava o emprego de você (e não o uso da 3.ª pessoa do singular com um interlocutor) como traço de falta de trato em situações de comunicação. Não é possível identificar com segurança a origem factual das expressões em apreço, mas parece plausível que você fosse usado com serviçais, entre os quais se incluiriam, por exemplo, moços de estrebaria, que tinham um trabalho rude. Note-se, aliás, que, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, estrebaria é o local onde se recolhem cavalos e guardam arreios; não obstante, designa igualmente «um alojamento impróprio, imundo». Quem se julgasse superior a este grupo de criados deveria relacionar a estrebaria não só com os cavalos, aos quais se atribuía certa nobreza, mas também aos burros, animais rudes, do ponto de vista da tradição. No fundo, as expressões em causa seriam réplicas para significar que o tratamento por você não é recomendável, pois é mais usado por quem só sabe lidar com animais.