Não é impossível manter o presente na oração relativa que caracteriza células, embora tal construção, pela sua extensão, se revele pouco económica. Substituir a oração relativa pelo gerúndio («células expressando...») constitui uma possibilidade frequentemente realizada que a tradição normativa rejeita1. Porém, quanto a expressor, não se afigurando este vocábulo mal formado, torna-se muito discutível declarar incorreto o seu uso, que não parece errado.
Sobre estas e outras soluções em língua portuguesa, equivalentes à estrutura inglesa em questão, foi solicitado parecer a dois consultores do Ciberdúvidas:
1. Para o tradutor brasileiro Luciano Eduardo de Oliveira, embora expressor não tenha registo nos dicionários brasileiros atualmente disponíveis, os termos «célula expressora de X» e «células expressoras» figuram, por exemplo, em trabalhos académicos, o que parece conferir-lhes bastante credibilidade. É de realçar igualmente que expressora é palavra corretamente formada. Outras opções são legítimas, com base no radical de expressar: refira-se expressadora e expressante, as quais, porém, não têm tradição de uso; e a construção «células de expressão de Y», menos concisa. Em certos contextos, poderia também contar-se com uma construção de infinitivo descritivo: «células a expressar Y».
Não obstante, como observa Luciano Eduardo de Oliveira, podem levantar-se dúvidas quanto à propriedade de expressar e dos derivados do seu radical para traduzir o inglês express. Com efeito, nenhum dicionário português atesta o uso de expressar na mesma aceção que se associa a express, que pode significar «to cause (a gene) to manifest its effects in the phenotype; also: to manifest or produce (a character, molecule, or effect) by a genetic process», conforme se lê no dicionário Merriam-Webster2. Assinale-se que em espanhol, tampouco os dicionários atribuem tal aceção a expresar, homólogo do português expressar", apesar de se registarem «células expresoras» em páginas da Espanha, Argentina e Chile. Para fazer frente a eventuais objeções desta escolha, por demasiado literal, perfila-se, portanto, outra solução, que consiste em considerar um radical verbal diferente e empregar, por exemplo, «revelador de Y», ou «manifestador de Y», ou, ainda, «manifestante de Y», pelo menos, em certos contextos.
2. Deste parecer, pelo menos, quanto ao uso da forma expressor, não se afasta o tradutor e latinista português Gonçalo Neves. Achando um tanto ou quanto arrevesada e pouco prática a tradução "célula que expressa Y", não rejeita a expressão adotada do Brasil ("células expressoras de Y"), a qual lhe parece vernácula e totalmente adequada. Aliás, a utilização da mesma, pelos vistos, não se circunscreve ao Brasil, pois num trabalho da Universidade de Coimbra – Pedro do Couto Gonçalves, Os Tecidos Adiposos Castanho e Bege: potenciais alvos terapêuticos para a obesidade?, Universidade de Coimbra, 2017 –, encontra-se a expressão análoga «células expressoras de UCPI», e numa outra – Joana Isabel Martins Lourenço, Infeção Humana por Vírus do Dengue no século XXI: Causas e Consequências, Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, 2013 –, figura a expressão, também ela análoga, «células expressoras do recetor Fcy». A referida expressão é, portanto, recomendável.
Em suma, como foi dito inicialmente, compreende-se que uma formulação como «as células que expressam Y foram lavadas com…» não seja a mais favorável à leitura do texto3. A alternativa de gerúndio não costuma ser aceite pelos gramáticos prescritivos (reler nota 1). Já o uso do adjetivo expressor, não sendo incorreto, alcança certa difusão entre académicos brasileiros e começa a ter ocorrências esporádicas em textos produzidos pela comunidade científica de Portugal.
1 Consultar "Utilização do gerúndio" e "Usos do gerúndio".
2 Tradução livre: «fazer com que (um gene) manifeste os seus efeitos no fenótipo; e também: manifestar ou produzir (uma característica, uma molécula ou um efeito) por processo genético». Por fenótipo, entende-se «conjunto de características observáveis, aparentes, de um indivíduo, de um organismo, devidas a fatores hereditários (genótipo) e às modificações trazidas pelo meio ambiente» (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001; ver também Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Infopédia e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).
3 Observe-se, mesmo assim, que não é obrigatório obedecer à correlação temporal (ou sequencialização), quando a construção relativa ocorre num enunciado localizado no passado. Com efeito, há muitos casos em que à relativa se associa a perspetiva da enunciação, com o tempo no presente, como atesta a frase «na semana passada, o Manuel encontrou um amigo que está na sala ao lado», um exemplo gramatical contido na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, p. 175), de Maria Helena Mira Mateus et al.