Para a formulação de uma resposta à pergunta do consulente, tomemos como ponto de partida as seguintes explicações, retiradas da Gramática do Português (ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 2013):
«O pretérito perfeito apresenta as situações como estando localizadas temporalmente no passado em relação ao tempo da enunciação […]. Quando ocorre uma sucessão de frases coordenadas ou sequencialmente ordenadas num texto com os verbos no pretérito perfeito, representa-se usualmente uma sucessão de eventos. Neste caso, o tempo de cada situação representada por um verbo funciona como referência para o tempo da situação representada pelo verbo seguinte, formando uma progressão narrativa em que a ordenação temporal das situações corresponde à sua ordenação no texto» (secção 15.2.1.2).
«O condicional [futuro do pretérito] pode ter um valor temporal de “Futuro do Passado”, pouco usual na fala e escrita correntes, localizando uma situação no passado, mas ocorrendo posteriormente ao tempo de uma outra situação também passada, tomada como tempo de referência, explicitamente representada na frase quer por um adjunto adverbial de valor temporal quer por uma oração ou frase com o verbo no pretérito perfeito» (secção 15.2.1.7).
É difícil responder sem ter acesso ao contexto onde ocorre a frase em análise. Desde logo, a primeira estrutura verbal no condicional com valor de futuro do pretérito não seria aceitável sem a presença de um antecedente como, por exemplo, «Depois da aprovação do crédito…» ou «Visitou a casa e ficou interessado nela…». De facto, observando a frase isolada, se quiséssemos usar o condicional, apenas no segundo momento seria possível fazê-lo, depois de usar o pretérito perfeito: «Acabou por comprar a casa, a qual, passados dois meses, venderia a um amigo.»
Respondendo concretamente à pergunta do consulente, em termos meramente formais, e presumindo a existência de um antecedente a legitimar o valor de futuro do pretérito da primeira locução verbal, sim, seria possível optar por flexionar as duas formas verbais no condicional: «Acabaria por comprar a casa, a qual, passados dois meses, venderia a um amigo.» Neste caso, obter-se-ia, até, uma frase aparentemente mais harmoniosa. Porém, esta harmonização não é obrigatória e poderá não depender apenas do “gosto” ou do estilo de cada um.
Partindo do princípio de que, na frase aqui em questão, a opção pelo pretérito perfeito em detrimento do condicional foi consciente, ela pode ter-se devido a vários fatores, sobre os quais, sem ter acesso ao contexto de ocorrência deste segmento narrativo, apenas é possível conjeturar. Um deles é o facto de o pretérito perfeito ser o tempo privilegiado para narrar os acontecimentos relevantes que marcam o desenvolvimento de uma sequência narrativa. Assim sendo, a opção por «vendeu» poderá significar que esse é um dos momentos importantes da narração, integrado numa determinada sequência de progressão narrativa já iniciada, que provavelmente será continuada por outro(s) acontecimento(s) igualmente relevante(s). Neste caso, apesar de não se ter privilegiado a harmonia dentro da frase, ter-se-á pretendido manter a harmonia na sequência narrativa. Deixo à apreciação do consulente um exemplo possível, que ilustra o que acabo de dizer:
Saiu de casa dos pais e procurou uma nova casa para morar. Visitou várias, mas só uma lhe agradou. Ainda assim, não a comprou logo, esperou algum tempo, indeciso. Acabaria por comprar a casa, que vendeu pouco tempo depois. Mais tarde, com o dinheiro da venda, comprou a casa onde ainda hoje vive.