DÚVIDAS

Usos do gerúndio

Sou espanhol e estudo português no meu tempo livre. Tenho duas perguntas a respeito do uso do gerúndio em português:

A primeira é se é correcto o uso do gerúndio quando tem valor de posterioridade em relação à oração principal; por exemplo:

O avião despenhou-se, morrendo todos os passageiros.

Tenho lido várias opiniões, contra este uso, de filólogos brasileiros, já que dizem que o gerúndio somente pode exprimir anterioridade ou simultaneidade. Até um dos colaboradores neste sítio, Dr. D' Silvas Filho, censura este uso no livro "Prontuário: erros corrigidos de português", da Texto Editora.

Em espanhol, este uso também se censura por galicismo (mesmo já tem um nome: "gerundio de posterioridad") e o mesmo noutra língua como o catalão.

Mas a minha dúvida provém do que li no livro "Prontuário ortográfico e guia da língua portuguesa", da Editorial Notícias, em que pode ler-se:

...A forma simples pode também representar um processo anterior ou posterior ao processo representado na oração finita: "dizendo isto, correu em direcção à porta; entrou na sala, pondo tudo em alvoroço..."

A dúvida é: quem tem razão ou é errado? Ou sou eu errado?

A segunda pergunta tem que ver com o uso do gerúndio em orações em que o gerúndio acompanha e complementa o objecto directo:

Enviou uma carta "exprimindo" as razões da sua demissão.

Amanhã publicar-se-á um decreto regulando a exportação de vinhos.

Não é melhor: "Enviou uma carta em que exprimia..." ou "...um decreto em que/para regula-se/regular a exportação..."

Também em espanhol é errado este uso e que parece influência do inglês (sobretudo em traduções), língua em que é normal este tipo de frases, mas forçadas para línguas como o espanhol e, na minha humilde opinião, para o português.

Espero a sua resposta. Muito obrigado e desculpas pelos possíveis erros.

Resposta

Tem razão nas suas dúvidas. O uso indiscriminado do gerúndio nem sempre é correcto/correto nas nossas línguas.

Indico, a seguir, as noções que respeito, certamente do seu conhecimento, mas que julgo conveniente referir, para situar bem outros nossos companheiros de estudo da língua.

1. Na sua forma simples, o gerúndio é o processo verbal em curso. Exprime uma acção simultânea da do verbo principal (ex.: `Lava-se cantando.´: sem vírgula).
2. Na forma composta, representa uma acção concluída em relação à acção principal (ex.: `Tendo-se despenhado o avião, morreram …..´). E aceita-se a forma simples para representar também a acção anterior, quando está no início do período (ex.: `Despenhando-se o avião, morreram …..´: neste caso com vírgula).
3. De facto, tem sido condenado o uso do gerúndio com valor coordenativo. Neste critério, que também é o meu, a frase «Entrou, pondo tudo em alvoroço.» não está perfeita; deve escrever-se: `Entrou e pôs tudo em alvoroço.´. Acrescento outro exemplo: a frase «Ele é esperto, sendo preguiçoso» não está correcta/correta; deve escrever-se `Ele é esperto, mas preguiçoso.´.
4. Tem sido igualmente condenado o uso do gerúndio com valor de atributo. Neste critério, a frase: «Um decreto regulando …..» não está correcta; deve escrever-se: `Um decreto que regula …..´.

Apresento-lhe os meus cumprimentos e felicito-o pelo seu bom domínio da língua portuguesa.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa