Relativamente à frase em questão, os juízos de aceitabilidade podem ser divergentes, porque os problemas que levanta a frase apresentada são não propriamente gramaticais.
No contexto didático e numa perspetiva muito rígida da congruência entre os tempos verbais, dir-se-á que a sequência está incorreta ou não se recomenda, porque na oração «o telefone toca» o verbo deveria estar no pretérito perfeito do indicativo – «... o telefone tocou» –, para assegurar a concatenação temporal do tempo da oração precedente, no mais-que-perfeito do indicativo. Recorde-se que, quando se define o mais-que-perfeito, se diz que este tempo do indicativo «indica uma ação anterior a outra já passada» (Dicionário Houaiss); p. ex.: em «o pai tinha partido para a guerra, quando ele nasceu» (cf. idem), a forma «nasceu» permite ancorar a referência temporal do mais-que-perfeito do indicativo «tinha nascido» (ou, na forma simples, nascera).
Mas, se, no caso em apreço, a forma toca, no presente do indicativo, é interpretável como um presente histórico em equivalência com o pretérito perfeito do indicativo («toca» = «tocou»), então, a coerência temporal entre as orações constitutivas da frase pode não ficar comprometida. E, se o presente histórico é equivalente ao pretérito perfeito, então é de prever que, numa série de orações, o presente histórico ocorra articulado ao mais-que-perfeito do indicativo, tal como o pretérito perfeito do indicativo. E parece que assim é, porque a (nossa) intuição gramatical não rejeita o exemplo em discussão.
Assinale-se, porém, que, para Celso Cunha e Lindley (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 449) o presente histórico pode aparecer em orações coordenadas com outras que apresentam o pretérito perfeito do indicativo em situações que «não são de imitar»:
«Como nos ensinaram aqueles que o souberam usar com mestria, quando se emprega o presente histórico numa série de orações absolutas, ou coordenadas, deve a última oração conter o verbo novamente no pretérito. Observe-se, porém, que, sendo o período composto por subordinação, não se deve empregar na principal o pretérito e na subordinada o presente histórico, ou vice-versa. Exemplos clássicos, como o seguinte:
Vi logo por sinais e por acenos
Que com isto se alegra grandemente
(Camões, Os Lusíadas, V, 29),
não são de imitar.»
Revela-se, portanto, pouco favorável a avaliação que a fonte citada faz do uso do presente histórico e da sua alternância com o pretérito perfeito, pelo que é de supor que os autores também restringiriam ou condenariam a sequencialização de um mais-que-perfeito com um presente histórico. Isto tudo, apesar de Camões ter associado o pretérito perfeito do indicativo ao presente histórico...
Em suma, a sequência em questão é um caso marginal. Em princípio, deveria ser rejeitada, mas, na verdade, o uso mais antigo dá exemplos de alternância do pretérito perfeito e do presente histórico, sugerindo não ser improvável que o mais-que-perfeito se associe tanto a um tempo como a outro.