A questão colocada envolve a identificação da referência do pronome pessoal ele. Como é sabido, os pronomes pessoais não têm uma referência autónoma pelo que esta fica dependente da situação de enunciação ou do contexto discursivo.
O caso apresentado é ambíguo porque o pronome [d]ele tanto pode preencher a sua referência na situação de enunciação como no contexto discursivo. Se optarmos por esta última análise, consideraremos que o pronome assume como antecedente o substantivo cálice, o que implica a interpretação que se apresenta em (1):
(1) «E, tomando o cálice, e dando graças, deu-lhes o cálice, dizendo: Bebei todos do cálice […]»
Não obstante, esta parece não ser a interpretação mais acertada atendendo aos segmentos textuais que se seguem. Em primeiro lugar, logo de seguida, afirma-se «Porque isto é o meu sangue». Se cálice fosse a referência do pronome [d]ele, então também o seria do pronome isto. Todavia, considera-se que a afirmação «Porque este cálice é o meu sangue» não parece traduzir a intenção do enunciado. Esta última frase copulativa tem um valor de identificação e parece ficar claro que o sangue se identifica com vinho e não com cálice. O segmento «não beberei deste fruto da vide» parece vir confirmar esta interpretação, uma vez que o determinante este retoma um antecedente relacionado com «fruto de vide» ou, então, aponta para uma referência deítica existente na situação de enunciação e que corresponde ao vinho.
Perante o que ficou exposto, considero que o pronome ele se refere a vinho, que se assume como um referente dependente da situação de enunciação. A interpretação dos pronomes isto e do constituinte «deste fruto da vide» parece confirmar esta mesma interpretação.
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