1. Com as infeções pelo coronavírus sempre a aumentar, o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, no discurso de abertura da Assembleia Mundial da Saúde, em 9 de novembro p. p., observou: «As pessoas podem estar fartas da pandemia... mas a pandemia não está farta delas.» A frase faz parte do conjunto de novas entradas (13) no glossário O léxico da covid-19. É o caso da sigla MIS-C – denominação de uma doença infantil resultante da covid-19 – e dois nomes que parecem iluminar o fundo deste túnel: a BioNtech, a empresa alemã que se associou à farmacêutica norte-americana Pfizer para produzir uma vacina baseada numa nova tecnologia; e a vacina russa Sputnik V. Entram ainda as expressões ensaio clínico, porque decorrem projetos que ainda estão em fase de experimentação; guerra fria, em referência ao despique na investigação e indústria farmacêuticas; força-tarefa, como tradução do inglês task-force, de uso no Basil ("Joe Biden nomeia brasileira para sua força-tarefa de combate à covid-19 nos EUA"); e a lembrar como é incerto o resultado de tudo isto, a cláusula «se tudo correr bem».
2. Ainda em "A covid-19 na língua", no compasso de espera para uma cura ou para a contenção da pandemia, em Portugal fala-se da «tempestade perfeita» que se avizinha, da necessidade de protocolos para as instituições definirem formas de atuar, enquanto, reforçando as medidas restritivas novamente em vigor, o primeiro-ministro sublinha que «temos de ficar em casa» e o consumo reinventa-se nas «entregas ao domicílio». No Brasil, o atual presidente da República continua a desvalorizar a covid-19 e diz que é tema para "urubuzada".
3. Em Portugal, a semana também ficou marcada por outro termo – caranguejola. Embora a aceção (política) deste vocábulo tivesse sido logo associada ao de geringonça – que se impôs nos finais de 2015 como designativo da solução governativa do PS, com o apoio dos partidos à sua esquerda (Bloco de Esquerda, PCP e o PEV) – , só agora é que passou a ser usado no sentido de «geringonça de direita», com o novo governo regional do Açores, como acontece na seguinte frase: «... Seja qual for a origem da gaffe, premeditada ou acidental, é óbvio que, para censurar o Chega e os partidos que deram a mão a Ventura na “caranguejola” açoriana...» (Manuel Carvalho, "Augusto Santos Silva e os amigos dos tiranos", Público, 11/11/2020). Outros exemplos deste uso aqui e aqui.
4. No Consultório, novas entradas também: os limites do contraste entre «ao encontro de» e «de encontro de»; a definição de donzela e donzel; o valor locativo de para em «estar para a Alemanha» ; a sintaxe do verbo exultar; o uso do condicional em frases como «começou a escola teria uns seis anos»; e a etimologia de gambito, a propósito de uma série de televisão.
5. É inevitável reparar nos desafios enfrentados pelas línguas vernáculas por causa da avalancha de anglicismos associados à presente crise. Por exemplo, a respeito dos transportes aéreos e dos seus passageiros, circulam as expressões «travel bubble» e «travel bubble flight», as quais se referem à organização de viagens em condições de máxima proteção relativamente ao SARS-CoV-2. Entre as línguas românicas vizinhas, vê-se que, em Espanha, a Fundéu/RAE recomenda que em espanhol se diga e escreva «vuelos burbuja», literalmente, «voos bolha/burbulha»; em França, tem-se usado «bulles de voyage» («bolhas de viagem») e, em italiano, «bolla di viaggio». E o que se passa com o português? Embora a transposição da solução espanhola – «voo-bolha» – seja possível, é corrente a expressão «bolha de viagem/viagens», perfeitamente aceitável
Cf. Testes rápidos à covid-19... em inglês + Pobre Língua: Portenglish +Como se não bastasse a maldita covid!...+Será que estamos mesmo em Portugal?
6. E como se não bastasse a pandemia, detetou-se a norte do Porto um surto de legionela. Sobre o termo legionela, consultem-se "Legionela escrito em português", "Palavras do nosso tempo" e "25 palavras que marcaram 2014".
7. Dois registos sobre palavras, um sobre um erro mítico e outro como eco da atualidade: um apontamento do tradutor e divulgador de temas linguísticos Marco Neves, que retoma outro texto, à volta da suposta incorreção de «fazer a barba» (Certas Palavras, em 12/11/2020); e, porque o discurso do presidente Bolsonaro é sempre surpreendente, um artigo do linguista Aldo Bizzocchi a propósito de mais uma frase controversa: «[o Brasil] tem de deixar de ser um país de maricas» (Diário de um Linguista, 12/11/2020).
8. Notícias relacionadas com atividades em redor da língua portuguesa, do ensino à literatura:
– A BLX – Rede de Bibliotecas Municipais de Lisboa leva a cabo em 16 de novembro p. f. mais uma sessão de "Uma história tradicional por dia não sabe o bem que lhe fazia".
– Um ciclo intitulado Webinars PLE – Como abordar? e dedicado ao ensino do Português como Língua Estrangeira (PLE) é a proposta da editora portuguesa LIDEL. Haverá três sessões, e a primeira delas, no dia 19/11/2020, às 17h00, aborda o tema da leitura e tem como oradora a coordenadora da Ciberescola da Língua Portuguesa, Ana Sousa Martins.
– Decorre de 23 de novembro a 3 de dezembro p.f. o Congresso Virtual “Português na China: 6 décadas no Ensino Superior", promovido pelo Instituto Politécnico de Macau. As inscrições são até 17 novembro (mais informação aqui).
– Finalmente, porque no cinema também se ouve a língua portuguesa, refira-se a estreia em grande ecrã de O Nosso Cônsul em Havana, de Francisco Manso, que se inspirou numa fase da vida de Eça de Queirós passada em Havana, entre 1872 e 1874, quando Cuba fazia ainda parte das então chamadas Antilhas Espanholas.
9. A semana que ora finda fica igualmente marcada em Portugal pelo falecimento de três personalidades que, a seu modo nas respetivas atividades, deram contributo importante à língua portuguesa: o jornalista e escritor Artur Portela (1937-2020), cujos editoriais e crónicas fizeram parte da intensa discussão política do Portugal de 1975; o pintor e poeta Cruzeiro Seixas (1920-2020), da geração do Surrealismo português (na imagem, Estudo para Futuros Encontros, 1954); e o arquiteto paisagista, ecologista e político Gonçalo Ribeiro Telles, que, além de deixar uma obra notável (assinou com António Barreto Viana o projeto do jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, Prémio Valmor em 1975), tem produção escrita donde se recolhem muitos termos vernáculos relativos à dendrologia portuguesa, como é o caso de A Árvore em Portugal (Assírio e Alvim, 1999).
10. Temas centrais dos programas que a Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa produz para a rádio pública portuguesa: em Língua de Todos (RDP África, sexta-feira, 13 de novembro, pelas 13h20*; repetido no dia seguinte, depois do noticiário das 09h00*), a diversidade linguística nos países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, o bom uso de antecipadamente e atempadamente, o termo trumpismo e a natureza policêntrica da língua portuguesa; em Páginas de Português (Antena 2, no domingo, 15 de novembro, pelas 12h30*; com repetição no sábado seguinte, 21 de novembro, às 15h30*), o estudo Práticas de Leitura dos Estudantes dos Ensinos Básico e Secundário, realizado no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa e a expressão «bala de prata»
* Hora oficial de Portugal continental, ficando o programa Língua de Todos e Páginas de Português disponíveis posteriormente aqui e aqui.
11. Um registo final para as eleições municipais no Brasil, no domingo, 15 de novembro (1.º turno/volta), que ocorrem no contexto preocupante da situação sanitária do país – especialmente afetado pela pandemia. Coincidindo com o Dia da República – que assinala os 131 anos da proclamação da República Federativa Presidencialista brasileira –, assinalem-se, entre tantos outros, estes textos disponíveis no arquivo do Ciberdúvidas: «O Brasil que tem sotaque» + Variantes Cariocas da Língua Portuguesa + Linguagem é destino no Brasil e no mundo + Nove expressões populares que nasceram no Brasil escravocrata + Ainda o uso de bilião – em Angola, no Brasil e em Portugal+ Língua Franca do Boçalnarismo + A uberização do karma + Bolsonaristão e bolsonique + Carreata + Cloroquiner + Panelaço + Quarentenar