Algum exemplos dos chamados «falsos amigos», nesta reflexão do jornalista e escritor brasileiro Nelson Motta, publicada no jornal brasileiro O Globo do dia 15 de fevereiro de 2019.
Espanhóis chamam lucro de, acredite, ganancia.
Como mostram as diferenças culturais entre ser chamado de taxpayer ou de «contribuinte», a linguagem revela muito sobre o jeito brasileiro de viver.
Como lembrava o professor Roberto Campos, lucro em inglês é profit, que vem do latim profiscere, ser eficiente. É um orgulho. Em português, é quase um palavrão, não por acaso, aproximado de logro. Quando se juntou à culpa católica, deu no que deu.
Mas não estamos sós, os espanhóis chamam lucro de, acredite, ganancia. Vem de ganhos. Mas como dizia meu sábio pai, «dinheiro não se ganha, se arranca!».
Já os franceses o denominam bénéfice, como se fosse algo que se recebe sem fazer muita força, um ato de justiça.
Enquanto em inglês, espanhol e italiano juros é interest, interés, interesse, em português se confunde com o presente do indicativo do verbo jurar. E nem sempre pagar. Muito sintomático.
Falência em inglês é bankruptcy, literalmente «ruptura bancária», «falta de crédito». Em espanhol é mais dramático, quiebra. Mas, em português, falir se aproxima de falhar, do erro humano, da complacência. Quanto mais inventamos eufemismos, mais se revelam as farsas que encobrem.
Em inglês, deputado é representative, para não esquecer de sua função. Deputy é só o substituto.
Desde a cordial «cervejinha» e do «jabá» nordestino, a linguagem brasileira criou o «cala-boca», o «abre-porta», o «molha-mão» e o infame «caixa 2», que não foi inventado pelos políticos, mas pelos comerciantes para roubar o Fisco. Desde o Fisco português.
No México, a mordida é um clássico local, do guarda de trânsito a funcionários, políticos e empresas, metáfora de caráter selvagem e predador sobre pedaços de carne que a corrupção devora. É forte.
Enquanto na Inglaterra e nos Estados Unidos perjury, mentir no tribunal sob juramento, dá cadeia, no Brasil também se chama perjúrio, mas mente-se à vontade e não dá em nada. Não por acaso, lá também não há foro privilegiado e depois de uma segunda condenação é jaula direto. Linguagem é destino.
Texto do jornalista e escritor Nelson Motta, que o publicou edição de 15/02/2019 do jornal brasileiro O Globo.