O que é dito pelo consulente parece coincidir com um tipo de exercício de intuição linguística praticado em modelos que pressupõem uma gramática interna – por exemplo, a das propostas generativistas no mundo anglo-saxão, embora também haja algo metodologicamente parecido na investigação francófona.
Quanto à transposição metafórica, ou seja, no domínio da metáfora linguística, há muita criação que acaba por se tornar corrente e ser permitida, a ponto de se fixar lexicalmente e figurar nos dicionários. Também é frequente que a transposição metafórica acarrete alterações semânticas de modo a acomodar o conteúdo transposto ao cenário que, no léxico mental, o acolhe e enquadra.
Numa perspetiva mais empírica, de identificação dos padrões de uso, acontece que, consultando a secção histórica do Corpus do Português (Mark Davies), a primeira impressão é de que as ideias de choque e pressão, em referência ao mundo físico, parecem ter associação (surpreendentemente?) estável com «de encontro a». É em textos mais recentes que se detetam os «de encontro a» não "confrontacionais"; mas, a supor que a confusão é recente, pode ela dever-se a um viés da constituição do corpus consultado:
(1) «Uma vez que parte da obra de Abel Salazar permanece ainda em parte incerta, ampliar e perpetuar o conhecimento acerca do seu patrono é o objectivo da Casa-Museu. Tal objectivo vai de encontro ao desiderato subjacente a toda a acção, cultural ou científica, do próprio Abel Salazar[...].» (Um espírito renascentista, 29/12/1996, in Corpus do Português).
A ocorrência em (1) configura claramente uma incorreção, à luz da tradição normativa, pelas razões frequentemente expostas no Ciberdúvidas (ver aqui e em Textos Relacionados).
Cabe observar, não obstante, que há também ocorrências de «ao encontro de» que poderiam muito bem ser substituídas por «de encontro a»:
(2) «O seu olhar de cobre, triste e ainda nocturno, incitava-os a caminhar ao encontro do inimigo, a visitar o ninho dessa ave beligerante que do alto os espiava e do solo erguia as suas emboscadas.» (João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas, ibidem)
Em (2), a substituição de «ao encontro de» por «de encontro a» permitirá construir o termo do movimento de encontro como um choque, um confronto, ou seja, um recontro.
Não tendo sido aqui possível apurar a génese das duas locuções, conclui-se, para já, que a diferença terá sempre existido, e só nas últimas décadas se teria gerado a confusão.
Ainda assim, também não é de rejeitar a interpretação do consulente, legitimadora de certos casos em que o vincado contraste semântico das duas locuções em referência ao mundo físico se esbate quando se trata de marcar situações e atividades do domínio cognitivo e intelectual. Nessa perspetiva, em contextos menos típicos e, portanto, mais marginais em relação aos padrões de uso e à doutrina normativa sobre eles elaborada, «ir de encontro à opinião de X» não será equivalente a «estar em desacordo com X» ou «contrariar a opinião de X», mas, metaforicamente, «esbarrar com a opinião de X», sem excluir um eventual acordo.