1. Em Portugal, recebeu-se no meio de grande polémica o anúncio dos custos associados à construção do altar e do palco onde decorre em agosto de 2023, em Lisboa, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). O evento conta com a presença do Papa Francisco e é pretexto para obras de requalificação na parte oriental da capital portuguesa. Do ponto de vista linguístico, a palavra altar, «estrutura geralmente elevada onde sacerdotes de religiões diversas oferecem sacrifícios ou fazem imolações; ara» (Dicionário Houaiss), facilmente se relaciona com alto, mas historicamente não é um derivado deste adjetivo, pois terá tido transmissão culta a partir do latim, num processo que pouco afetou a configuração original. Mais problemática parece a designação do espaço onde decorrerá a JMJ: é altar-palco ou um palco-altar? Não é indiferente a escolha de um dos compostos, porque «o elemento que surge na primeira posição recebe uma um predominância pragmática (uma leitura de foco), realçando-se o seu papel», conforme se assinala na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, p. 3192). A consulta rápida das notícias aponta para a preferência por altar-palco, dando primazia à religiosidade. Mas não faltam ocorrências de palco-altar, com uma sugestão teatral (talvez) profana.
Palco tem origem no italiano palco, «estrado, plano» (séc. XIII) e «tablado para uso variado» (séc. XIV-XV), termo, por sua vez, proveniente do lombardo (língua germânica) *balk, «viga, trave» (Dicionário Houaiss). O italiano palco também designava o estrado mais elevado do que a plateia e ligeiramente inclinado onde os atores representam, em espetáculos teatrais. A denotação mantém-se no português palco, mas no italiano contemporâneo passou a estar associada à palavra palcoscenico (ver dicionário Treccani). Na imagem, o projeto do altar-palco para a JMJ (Expresso, 26/01/2023).
2. Estará correto dizer ou escrever «levar a rojo» em vez de «levar de rojo», isto é, «arrastar»? O esclarecimento faz parte de um total de oito novas respostas disponíveis no Consultório. Além do tópico já mencionado, fala-se de atos ilocutórios indiretos, da locução «nas proximidades de», de talvez com imperfeito do conjuntivo, da sintaxe do verbo aspirar, do termo variométrico, do estrangeirismo surenho e da duplicação de pronomes pessoais átonos (clíticos) que ocorre por vezes na aquisição da língua materna.
3. Na Montra de Livros, faz-se a apresentação do número especial de homenagem que a revista Linguística: Revista de Estudos Linguísticos da Universidade do Porto dedica à linguista e professora universitária Fátima Oliveira, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. São 16 estudos linguísticos sobretudo centrados em tópicos da investigação em semântica, pragmática e argumentação.
4. «Fazes mesmo questão de dizer aos que se colocam diante do teu microfone que lhes vais "fazer uma questão"?» – pergunta retoricamente o jornalista Fernando Alves, na sua rubrica radiofónica Sinais na TSF (23/01/2023), a respeito da expressão incorreta «fazer uma questão». Trata-se de um apontamento que passa a estar também disponível no Pelourinho.
5. Como traduzir o anglicismo fraudster, que deriva de fraud, ou seja, fraude? O escritor e jornalista Miguel Esteves Cardoso explora o campo lexical de fraude e testa, de forma bem-humorada, os limites da morfologia e do léxico do português em crónica incluída no jornal Público (18/01/2023) e transcrita com a devida vénia em O Nosso idioma.
6. A linguagem das ciências e as terminologias são o novo tema explorado pelo professor universitário e tradutor e divulgador Marco Neves, com Cristina Nobre Soares, especialista em comunicação de ciência, em Palavrões da Ciência, um programa em formato de podcast («difusão por ficheiro digital»). O primeiro episódio é dedicado à matemática, numa conversa com Rogério Martins, matemático português e autor do programa Isto É Matemática.
7. Quanto a três dos programas que, na rádio pública de Portugal, são dedicados à língua portuguesa:
– Em Língua de Todos, difundido na RDP África, na sexta-feira (27/01/2023, 13h20*, repetido no dia seguinte, c. 09h05*), inclui-se uma entrevista com Gladis Almeida, da Universidade de São Carlos, do estado de São Paulo, acerca do projeto Terminologias Científicas e Técnicas Comuns (TCTC), no âmbito da CPLP. No programa, participa igualmente a professora Carla Marques, com um esclarecimento sobre o uso da forma pronominal -lo.
– O projeto Revistas de Ideias e Cultura, para digitalização das revistas portuguesas do século XX, que abrange títulos como A Águia (1910-1912) e Orpheu (1915), é o tema central de Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo (29/01/2023, 12h30*; repetido em 04/02/2023, 15h30*). O programa conta ainda com uma crónica da professora Edleise Mendes (Universidade Federal da Bahia) e com um apontamento da consultora Inês Gama sobre as classes de palavras.
– Recorde-se, por último, Palavras Cruzadas, um programa realizado por Dalila Carvalho e transmitido na Antena 2 de segunda a sexta, às 09h50 e às 18h50*.
* Hora oficial de Portugal continental.